06/02/2015 | 12:02 | Dinheiro Vivo
Um dos pilares fundamentais da união monetária é que o BCE não deve financiar directamente a dívida pública de só alguns Estados. Fazê-lo seria transferir recursos de todos para ajudar alguns, uma redistribuição que o banco central não tem legitimidade para fazer. Por isso, o BCE afirma claramente que estes programas de compra são temporários e distribuídos por todos os Estados de forma equitativa. Ora, transformando a dívida grega em perpetuidade, torna-se difícil argumentar em tribunal que esta é uma medida temporária. Mesmo que queira vender as novas perpetuidades, duvido que o BCE encontre quem as compre. Arrisca ver todo o trabalho de Mario Draghi ser considerado ilegal nos tribunais no Luxemburgo ou Karlsruhe.
Não. O BCE pode comprar dívida soberana dos Estados da moeda única, mesmo convertida em perpetuidades. Se o fizer de todos os devedores nas proporções do capital do Banco subscrito por cada Estado, não está a distorcer nada. Se quiser desistir dessa aplicação de capital pode, em condições a predefinir, forçar o resgate da dívida por amortização de acções do Estado devedor no capital do Banco em quitação da dívida cobrada.
Para além disso, a Grécia quer cortar o valor da dívida. Uma dívida de 1 euro que paga 10% e dura um ano, dá 1,1 euros daqui a um ano. Transformada em perpetuidade com a mesma taxa, dá antes 10 cêntimos por ano para sempre. Isto vale menos do que 1,1 euros daqui a um ano. O valor da perpetuidade depende da taxa de juro. Se for zero, o valor da dívida é zero, se for mais alta do que 10% compensa pelo adiamento para sempre do pagamento do 1 euro inicial. [ ]
Não percebo e penso que não é nada assim, ou o que é dito não liga coisas comparáveis. Um dívida consolidada em perpetuidade promete um juro periódico de uma certa percentagem do valor nominal da cada título perene, não reembolsável. Como tal, terá um valor transacionável real consoante a taxa de juro em vigor no mercado secundário de títulos. O Estado Grego pode cessar o pagamento de quaisquer juros. Mas isso já ele o pode fazer agora, e não é a sua intenção.
Cortar o valor da dívida grega no balanço do BCE implica que o BCE vai ter uma perda. Por isso, nos próximos anos, vai pagar menos dividendos. [ ]
O Banco defende-se por quitação na compra de acções próprias. Os dividendos aos demais accionistas aumentam, em vez de diminuir,
ceteris paribus.
Passando à segunda proposta grega, é uma excelente ideia indexar os pagamentos da dívida ao crescimento económico. Em vez de vender obrigações, que depois tem dificuldades em pagar durante crises económicas, o governo grego vende antes acções na economia grega. [ ]
Se é tão boa ideia, porque é que não existem estas obrigações em quase nenhum lado do mundo? [ ] O requisito chave para esta ideia funcionar é termos uma confiança [ ] nos números do PIB gregos. [ ]
A razão por que este esquema é pouco utilizado é pela geral distinção entre accionista e credor, entre produtor(empresário) e proprietário, entre capital e trabalho. Um accionista arrisca o seu capital próprio nas incertezas da actividade; um credor alheia-se do seu êxito relativo, apenas requer uma remuneração módica do capital que avança num negócio que não é seu.
Obrigações participativas nos resultados da actividade do mutuário, são quase-acções e como tal não podem quedar-se na mera confiança, requerem estreito acompanhamento do negócio, quase um dever de sócio. Dá 'mais trabalho', é arriscado, e não é nesse espírito de risco que se empresta dinheiro.
No entanto, é pura verdade que o esquema de "dinheiro gerar dinheiro" só funciona
quando funciona, isto é, quando a produção gera valor suficiente para pagar
salários e lucros, estes compreendendo a justa e módica remuneração de capital aforrado por trabalho produtivo pretérito.