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Autor Tópico: Arte  (Lida 33163 vezes)

Incognitus

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Re: Arte
« Responder #80 em: 2016-01-20 19:33:28 »
Citar
A utilidade e valor de algo para quem o consome não está necessariamente ligada à complexidade e custo de o produzir.

Aqui, 100% de acordo.

Mas distingo (pelo menos) uma diferença fundamental entre a "utilidade e valor" de um objecto artístico, e a "utilidade e valor" de um objecto funcional.

No segundo caso, essa "utilidade e valor", essa qualidade, em resumo, podem ser objectivadas. Medidas através de critérios pré-definidos. Não dependem do nosso gosto, embora o nosso gosto possa influenciar a nossa escolha.

No primeiro caso, não. Não há forma de definir critérios objectivos que quantifiquem a qualidade da arte.

No caso da Arte (e, vá, do entretenimento), qualidade e gosto nadam numa zona sem fronteiras definidas.

Essa objectividade é coisa que não existe. O valor de algo é definido pelo que estamos preparados a prescindir para obter ou manter o algo.

Alguém pode gritar aos sete ventos que X é incalculavelmente valioso. Se lhe pedem 10 Euros para ter a coisa e não os quer dar, na realidade essa pessoa avalia o valor de X em menos de 10 EUR. Se lhe pedem 1 hora do seu tempo e não a quiser dar, avalia X em menos de 1 hora do seu tempo.

Ao mesmo tempo, quem vê o filho a afogar-se e se atira para uma situação perigosa para o tentar salvar, dá um valor ao seu filho acima do da própria vida (ou pelo menos, do da própria vida x probabilidade de a perder nessa situação).

O resto são tangas líricas. Muito comuns no campo da cultura, diga-se.

Tens razão. Mas penso que estamos a falar de coisas diferentes, embora relacionadas - ou pelo menos estamos a olhar para coisa de ângulos diferentes, não necessariamente contrários.

O que estou a dizer é que no campo das utilidade funcional (isto é, na produção de objectos que têm um objectivo prático de utilização: um parafuso, uma máquina de calcular, um frigorífico, um lápis, etc.) a qualidade pode ser medida/avaliada através de critérios aceites por toda a gente. Um parafuso, por exemplo, pode ser avaliado em função da resistência e durabilidade da liga em que é feito. Se ao apertares um parafuso notas que a chave desfaz a cabeça e fica a patinar, podes concluir que o parafuso não tem qualidade (e vice-versa, já agora, se for a chave a ficar "dentada"). Isto leva-te não só a escolher outra marca aquando da compra seguinte, mas também a poderes ter um critério objectivo que podes divulgar a outras pessoas e que seja aceite como tal: o parafuso da marca X não tem qualidade porque a liga é fraca e desfaz-se quando tentas apertar. 

A outra pessoa pode à mesma querer escolher aquela marca, porque é mais barata, mas sabe que está a escolher algo de qualidade baixa.

Não, até nesses casos a qualidade não é objectiva. Depende sempre do que se está a prescindir por ela, nomeadamente se a qualidade vier associada a um custo mais elevado. Existindo especificações técnicas, pode ser possível atingi-las de várias formas. O valor de cada uma não é objectivo por si só porque pode ser suplantada por outra que lhe baixa o valor. Quanto muito a relação de valor entre duas coisas pode ser objectiva, ainda que o valor de cada uma não o seja. Por exemplo, podes não saber bem o que vale uma determinada acção (ninguém sabe), mas se essa acção for de uma classe igual a outra, então sabes que tenham o valor que tiverem, esse valor é igual (o relativo é objectivo, o absoluto não é).

O mesmo se pode passar com determinadas especificações técnicas. Se necessitas de uma dada especificação técnica e tiveres duas formas de a alcançar, o valor das duas vai tender a equivaler-se (se forem mesmo iguais a alcançar a especificação). O valor que atribuis a obter a especificação em si porém continua subjectivo -- obter essa especificação ser dispensável se o custo for alto o suficiente que ultrapasse o valor que atribuis a obter a especificação.

Por outro lado, se tens alguém que te paga X desde que a coisa tenha essa especificação, imediatamente obtê-la ganha um valor objectivo, porque tens como te ver livre da coisa a outro valor ditado por outra pessoa. O mesmo se passa com um quadro. Podes não lhe dar muito valor ou não saberes bem que valor terá. Mas se sabes que há comprador firme a X, então passas imediatamente a dar-lhe um valor que é X menos o que desejas ganhar se o conseguires obter.

E por aí adiante.

Em momento nenhum, porém, existe um valor fantástico para algo (exemplo de arte, cultura, etc) sem que ninguém esteja realmente disposto a prescindir de algo nesse valor (sozinho ou em grupo).

Resumindo, essas coisas que "vendem" como tendo grande valor não têm grande valor porque ninguém está disponível para voluntariamente prescidir de algo que se aproxime ao valor publicitado.

----------

Uma consequência disto é também que os valores são relativos. O que se prescinde tem um valor. Aquilo pelo qual o prescindimos, assume-se que terá um valor superior. Aquilo que não prescindimos por algo, presume-se por sua vez que terá um valor superior ao algo.
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Re: Arte
« Responder #81 em: 2016-01-20 19:39:07 »
Mas o melhor é mesmo resumir para "o valor de algo é aquilo que estamos dispostos a prescindir para obter ou manter o algo". É algo que varia de indivíduo para indivíduo.

Depois existem uma série de combinações que podem fazer o algo ter valor mais objectivo, principalmente compromissos firmes de outrém, ou o facto de existirem coisas com um determinado valor partilhado por muitas pessoas, que sejam possíveis de providenciar por um custo menor (sendo possível prescindir de menos), etc, etc.
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Re: Arte
« Responder #82 em: 2016-01-20 20:17:28 »
Insisto: qualidade e valor podem ser separados enquanto conceitos passíveis de ser avaliados/percepcionados de forma independente. Nada na tua argumentação, apesar de bem formulada, contraria esta ideia - antes a complementa acrescentando uma dimensão motivacional.

O valor mede-se em função daquilo de que estás disposto a abdicar para adquirir determinada coisa, e varia de indivíduo para indivíduo, mas a qualidade existe para lá dessa disposição. A liga de que é feito um parafuso é fixa. Não é de ferro para um alguém e de aço para outrem. A resistência da liga de que é feito um parafuso não varia de pessoa para pessoa, porque pode ser medida.

A capacidade que determinada empresa tem em fabricar parafusos todos com as mesmas exactas medidas, por exemplo, pode ser outro factor de avaliação de qualidade. Tanto um como outro podem ser avaliados no momento de produção, sem dependerem da vontade de terceiras pessoas os quererem ou não comprar.

Mesmo que a empresa fosse à falência porque os parafusos eram demasiado caros para levarem os consumidores a comprá-los, a sua qualidade podia estar bem acima dos da concorrência - aqueles que em muitos casos se partiam, dobravam e ficavam com a cabeça moída. Para os consumidores, estes reconheciam a qualidade dos parafusos mais caros, mas estavam dispostos a suportar o que de mau viesse com os mais baratos.

Outro exemplo: uma casa pode ser construída com materiais mais resistentes ao tempo. A durabilidade, impermeabilidade e resistência de uma tinta aos factores naturais, humidade, chuva, e sol directo, é um factor de qualidade objectivo.

« Última modificação: 2016-01-20 20:38:08 por Jsebastião »
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Re: Arte
« Responder #83 em: 2016-01-20 20:39:41 »
Insisto: qualidade e valor podem ser separados enquanto conceitos passíveis de ser avaliados/percepcionados de forma independente. Nada na tua argumentação, apesar de bem formulada, contraria esta ideia.

O valor mede-se em função aquilo de que estás disposto a abdicar para adquirir determinada coisa, e varia de indivíduo para indivíduo, mas a qualidade existe para lá dessa disposição. A liga de que é feito um parafuso é fixa. Não é de ferro para um alguém e de aço para outrem. A resistência da liga de que é feito um parafuso não varia de pessoa para pessoa, porque pode ser medida.

A capacidade que determinada empresa tem em fabricar parafusos todos com as mesmas exactas medidas, por exemplo, pode ser outro factor de avaliação de qualidade. Tanto um como outro podem ser avaliados no momento de produção, sem dependerem da vontade de terceiras pessoas os quererem ou não comprar.

Mesmo que a empresa fosse à falência porque os parafusos eram demasiado caros para levarem os consumidores a comprá-los, a sua qualidade podia estar bem acima dos da concorrência - aqueles que em muitos casos se partiam, dobravam e ficavam com a cabeça moída. Para os consumidores, estes reconheciam a qualidade dos parafusos mais caros, mas estavam dispostos a suportar o que de mau viesse com os mais baratos.

Outro exemplo: uma casa pode ser construída com materiais mais resistentes ao tempo. A durabilidade, impermeabilidade e resistência de uma tinta aos factores naturais, humidade, chuva, e sol directo, é um factor de qualidade objectivo.

A qualidade em geral é subjectiva. Depende daquilo para o qual necessitas do parafuso, por exemplo. Pequenas fracções da qualidade podem ser objectivas tecnicamente. Ou a qualidade pode segundo alguns ângulos ser objectiva (as baterias que duram mais tempo, as que fazem mais ciclos), mas praticamente para tudo o bem será suficientemente complexo que a qualidade em geral se torna subjectiva e função do que cada consumidor procura.

Além disso, ao ires para medidas objectivas isso não ajuda em nada o debate no que toca a coisas inteiramente subjectivas onde apenas uma pequena parte pode ser apreciada tecnicamente e, também aí, a técnica tenderá a estar do lado de quem gasta mais com o produto final (ou seja, produções mais populares também terão simultaneamente melhores meios técnicos).

-----

E mesmo que a qualidade fosse inteiramente objectiva, ainda assim o valor seria subjectivo e variaria de pessoa para pessoa.
« Última modificação: 2016-01-20 20:42:35 por Incognitus »
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Re: Arte
« Responder #84 em: 2016-01-20 20:44:49 »

O mercado valoriza sempre de forma justa.

Dito isto, na arte , como na música, comida, vinhos, materiais de vestuário, etc... existe uma qualidade
que é perceptível e que confere o valor que se torna consensual.

Jsebastião

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Re: Arte
« Responder #85 em: 2016-01-20 20:56:52 »
Além disso, ao ires para medidas objectivas isso não ajuda em nada o debate no que toca a coisas inteiramente subjectivas onde apenas uma pequena parte pode ser apreciada tecnicamente e, também aí, a técnica tenderá a estar do lado de quem gasta mais com o produto final (ou seja, produções mais populares também terão simultaneamente melhores meios técnicos).

Não, Inc. - "até foi para ajudar ao debate".  :) (e não pretendia ter desviado tanto o assunto para o lado funcional da coisa)

Falei na objectividade daquilo que é funcional para estabelecer o contraponto evidente em relação àquilo que sucede no foro artístico, concordando nesse campo contigo: o universo da arte é inteiramente subjectivo. Aquilo que podes medir na arte (o abertura de uma objectiva fotográfica, a profundidade de campo configurada na máquina de filmar, o tempo de duração de uma sequência,  o diâmetro de um pincel, etc), ou apreciar do ponto de vista meramente técnico, não cria por si só qualquer valor objectivo ao produto final.
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Re: Arte
« Responder #86 em: 2016-01-20 21:07:17 »
Além disso, ao ires para medidas objectivas isso não ajuda em nada o debate no que toca a coisas inteiramente subjectivas onde apenas uma pequena parte pode ser apreciada tecnicamente e, também aí, a técnica tenderá a estar do lado de quem gasta mais com o produto final (ou seja, produções mais populares também terão simultaneamente melhores meios técnicos).

Não, Inc. - "até foi para ajudar ao debate".  :) (e não pretendia ter desviado tanto o assunto para o lado funcional da coisa)

Falei na objectividade daquilo que é funcional para estabelecer o contraponto evidente em relação àquilo que sucede no foro artístico, concordando nesse campo contigo: o universo da arte é inteiramente subjectivo. Aquilo que podes medir na arte (o abertura de uma objectiva fotográfica, a profundidade de campo configurada na máquina de filmar, o tempo de duração de uma sequência,  o diâmetro de um pincel, etc), ou apreciar do ponto de vista meramente técnico, não cria por si só qualquer valor objectivo ao produto final.

Neste como em qualquer outro caso, nem que existisse uma diferença objectiva faria sentido tratar de forma diferente os indivíduos, que fará não existindo.
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Re: Arte
« Responder #87 em: 2016-01-20 21:07:55 »

O mercado valoriza sempre de forma justa.

Dito isto, na arte , como na música, comida, vinhos, materiais de vestuário, etc... existe uma qualidade
que é perceptível e que confere o valor que se torna consensual.

O valor não é consensual. Se fosse, o debate nem existiria. A própria existência do debate é prova de que não é consensual ...  :D
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Re: Arte
« Responder #88 em: 2016-01-20 21:29:09 »

O mercado valoriza sempre de forma justa.

Dito isto, na arte , como na música, comida, vinhos, materiais de vestuário, etc... existe uma qualidade
que é perceptível e que confere o valor que se torna consensual.

O valor não é consensual. Se fosse, o debate nem existiria. A própria existência do debate é prova de que não é consensual ...  :D

O Valor consensual é tem percepção emocional.

Se tirarmos a marketização da arte, que inflaciona muito junk, existem obras de arte que , pela capacidade
de emocionar quem vê, se torna muito consensual.

Quem vê Guernica exposto, uma escultura de Rodin ou Michelangelo não fica indiferente e tem mais tendência a valorizar do
que a desvalorizar.

Jsebastião

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Re: Arte
« Responder #89 em: 2016-01-20 22:16:30 »
Quem vê Guernica exposto, uma escultura de Rodin ou Michelangelo não fica indiferente e tem mais tendência a valorizar do
que a desvalorizar.


Ainda assim, vendo "ao vivo", nada torna mais provável que haja tendência para consensos. As emoções sentidas ao observar arte não são consensuais, apesar de umas quantas definições apontarem para aí. Muitas vezes, não só não são consensuais, como são totalmente opostas.

Os quadros de Picasso, particularizando agora um pouco, e o Guernica em concreto, afastam logo imensa gente por causa da abordagem estilística "radical", imensamente afastada da realidade formal, com um traço que em certos elementos pode ser confundido com o de uma criança desajeitada.






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Zenith

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Re: Arte
« Responder #90 em: 2016-01-21 00:02:49 »
Comentário de JMT no Público:

Citar
O chevalier Tony Carreira

Nem tudo no gosto é puramente arbitrário e há violências simbólicas que fazem maravilhas pela civilização.

Hoje gostaria de falar de Tony Carreira e Pierre Bourdieu. Não é todos os dias que temos oportunidade de cruzar o autor de Sonhos de Menino com o autor de A Reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino, e essa oportunidade não deve ser desperdiçada. Recordo a história aos mais distraídos. O Estado francês atribuiu a Tony Carreira a espectacular medalha de Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres. Tony Carreira pediu para receber a condecoração na embaixada portuguesa. O embaixador recusou. Tony Carreira queixou-se dessa atitude no Facebook. Tal provocou grande comoção nos seus fãs, várias notícias em jornais respeitáveis e a profunda indignação de Marques Mendes no seu comentário de domingo. O cantor suspirou ao DN: “No meu país, hão-de valorizar-me quando tiver um pé para a cova.”

É certo que o embaixador justificou a recusa com o argumento de que “não se atribui a condecoração de um país na embaixada de outro país”, mas seria lastimável reduzir tão rico acontecimento a um mero incidente diplomático entre um cançonetista popular chamado Tony e um embaixador português em Paris chamado Moraes Cabral, sobretudo quando temos diante de nós a possibilidade de uma belíssima análise marxista deste conflito. Num tempo ideologicamente revitaminado, há que saber detectar uma boa luta de classes quando ela aparece, e aquilo que está em causa é obviamente um confronto entre uma classe dominante (representada pelo embaixador Moraes Cabral) e uma classe dominada (os muitos milhares de portugueses que enchem o Pavilhão Atlântico para entoar “Ai destino, ai destino”), lutando pelo inestimável capital simbólico que representa a consagração oficial de Tony Carreira e do gosto musical de todos aqueles que apreciam as suas canções.

É nesse sentido que o protesto dorido de Tony Carreira está muito em linha com Pierre Bourdieu, ao empenhar todos os esforços no combate por um capital cultural que lhe foi sonegado pelo embaixador Moraes Cabral e, já agora, pelo Estado português, que nunca até hoje reconheceu o seu mérito artístico, nem com a mais pequena comenda disponível nos arrumos de Belém. Consciente daquilo a que Bourdieu chamou “arbitrário cultural dominante”, Tony Carreira, homem de esquerda na busca justa pela igualdade, recusa que uma cultura se imponha sobre a outra, ou que alguém lhe diga que o pior fado de Amália é melhor do que a sua mais conseguida canção – não é melhor, é apenas diferente, pensará Tony na esteira de Bourdieu, até porque ambos são Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres.

Como bem explica o sociólogo francês na sua análise sobre o sistema escolar, a cultura dominante é imposta e acaba por excluir os mais pobres em detrimento dos mais ricos, não porque os alunos mais desfavorecidos não tenham cultura, mas simplesmente porque não têm a cultura que a escola exige – o que é uma forma consentida de violência simbólica. Ora, é contra esta violência simbólica que Tony Carreira se insurge, e em vez de gritar “o meu reino por um cavalo”, grita “o meu chevalier por um reino”, que é o reino do artista português reconhecido e consagrado, a que ele tanto ambiciona. Ora, esta é uma boa ilustração do problema que eu tenho com a igualdade: da mesma forma que não confundo Camões com António Aleixo, não quero Tony Carreira confundido com Amália. Nem tudo no gosto é puramente arbitrário e há violências simbólicas que fazem maravilhas pela civilização.



Inc, concordas com a posição do JMT a propósito da questão da (não) "arbitrariedade do gosto"?

Ao Tony Carreira deve ser dada a mesma "importância institucional" do que à Amália?


Não conheço os protocolos diplomáticos, mas estou inclinado a acreditar que a razão da recusa terá sido apenas diplomática, ou há alguma notícias que os franceses teriam aceite deslocar-se à embaixada portuguesa para entregar condecoração? Se essa questão nunca tinha sido colocada apostaria que franceses iam recusar
Se por exemplo o Tony Carreira já estivesse reformado, a viver em Portugal e a França quisesse condecorá-lo em homenagem a um passado com forte impacto em França, a condecoração seria entregues na embaixada Francesa em Lisboa (que é território francês) e não na câmara, AR ou palácio de Belém.
A única coisa que pode revelar sobranceria é o facto do embaixador não ter falado pessoalmente com o TC a explicar-lhe que as regras do protocolo diplomático não lhe permitiam aceder ao pedido. Se um cidadão português é objecto de uma homenagem num pais estrangeiro, o embaixador não o pode tratar como se fosse apenas um pedido de passaporte que é um mero acto administrativo.


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Re: Arte
« Responder #91 em: 2016-01-21 04:09:56 »

O mercado valoriza sempre de forma justa.

Dito isto, na arte , como na música, comida, vinhos, materiais de vestuário, etc... existe uma qualidade
que é perceptível e que confere o valor que se torna consensual.

O valor não é consensual. Se fosse, o debate nem existiria. A própria existência do debate é prova de que não é consensual ...  :D

O Valor consensual é tem percepção emocional.

Se tirarmos a marketização da arte, que inflaciona muito junk, existem obras de arte que , pela capacidade
de emocionar quem vê, se torna muito consensual.

Quem vê Guernica exposto, uma escultura de Rodin ou Michelangelo não fica indiferente e tem mais tendência a valorizar do
que a desvalorizar.

A maioria, não necessariamente o consenso, vai achar bonitas e magésticas algumas coisas.  Não significa que as coloque acima de todas as outras. É o que é, não dá o direito a alguém de impor a terceiros os seus gostos e valores.
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Re: Arte
« Responder #92 em: 2016-01-21 10:57:49 »
Zenith, do que ouvi, outras figuras como siza vieira receberam a condecoração na embaixada...ou seja o embaixador abriu as portas para outros.
Mas não sei se assim é porque não me informei muito sobre o caso.

De qualquer forma estou de acordo contigo, não faz sentido querer receber uma condecoração do governo francês na embaixada de Portugal...
"Como seria viver a vida que realmente quero?"

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Re: Arte
« Responder #93 em: 2016-01-21 12:23:45 »

A maioria, não necessariamente o consenso, vai achar bonitas e magésticas algumas coisas.  Não significa que as coloque acima de todas as outras. É o que é, não dá o direito a alguém de impor a terceiros os seus gostos e valores.

Em cima distingui :

- marketização: impor
- consenso: uma emoção que é sentida por uma maioria, conhecedores ou não.

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Re: Arte
« Responder #94 em: 2016-01-21 12:36:58 »
Zenith, do que ouvi, outras figuras como siza vieira receberam a condecoração na embaixada...ou seja o embaixador abriu as portas para outros.
Mas não sei se assim é porque não me informei muito sobre o caso.

De qualquer forma estou de acordo contigo, não faz sentido querer receber uma condecoração do governo francês na embaixada de Portugal...

Parece que embora pouco comum, não é inédito, encontrei o caso da Mísia que recebeu condecoração na embaixada portuguesa.
Citar
A intérprete de “Garras dos Sentidos” recebeu, em 2004, na Embaixada portuguesa em Paris, o grau de Cavaleiro desta mesma ordem honorífica, cujas insígnias foram entregues pelo ministro da Cultura francês, Jean-Jacques Aillagon.

A decisão do embaixador é aceitável mas devia ter falado com o TC. Para um embaixador foi muito mau diplomata !!!

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Re: Arte
« Responder #95 em: 2016-01-21 12:44:40 »
Dá a entender que as pessoas não sabem o que é uma embaixada...e que geralmente quem entrega um título, não vai a casa de outro entregar...mas enfim...
"Como seria viver a vida que realmente quero?"

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Re: Arte
« Responder #96 em: 2016-01-21 14:56:30 »

A maioria, não necessariamente o consenso, vai achar bonitas e magésticas algumas coisas.  Não significa que as coloque acima de todas as outras. É o que é, não dá o direito a alguém de impor a terceiros os seus gostos e valores.

Em cima distingui :

- marketização: impor
- consenso: uma emoção que é sentida por uma maioria, conhecedores ou não.

O marketing não é impor. É seduzir para. É anunciar que algo existe. É aumentar a awareness para algo. Impor é obrigar contra a vontade.

O consenso pode formar-se. Nada impede opiniões voluntárias de todas convergirem num dado sentido. Não é ainda assim razão para impor algo, até porque se algo é imposto assume-se que não é inteiramente partilhado. E claro, o verdadeiro consenso é também improvável ainda que possível. O consenso não se verifica certamente em coisas em que o próprio público não as consegue sustentar.
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Re: Arte
« Responder #97 em: 2016-01-21 14:57:03 »
Zenith, do que ouvi, outras figuras como siza vieira receberam a condecoração na embaixada...ou seja o embaixador abriu as portas para outros.
Mas não sei se assim é porque não me informei muito sobre o caso.

De qualquer forma estou de acordo contigo, não faz sentido querer receber uma condecoração do governo francês na embaixada de Portugal...

Parece que embora pouco comum, não é inédito, encontrei o caso da Mísia que recebeu condecoração na embaixada portuguesa.
Citar
A intérprete de “Garras dos Sentidos” recebeu, em 2004, na Embaixada portuguesa em Paris, o grau de Cavaleiro desta mesma ordem honorífica, cujas insígnias foram entregues pelo ministro da Cultura francês, Jean-Jacques Aillagon.

A decisão do embaixador é aceitável mas devia ter falado com o TC. Para um embaixador foi muito mau diplomata !!!

Se a decisão é arbitrária e dá para uns mas não para outros, nunca pode ser aceitável (nem que concordemos com quem recebe e com quem é impedido de receber).
« Última modificação: 2016-01-21 14:57:51 por Incognitus »
"Nem tudo o que pode ser contado conta, e nem tudo o que conta pode ser contado.", Albert Einstein

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Re: Arte
« Responder #98 em: 2016-01-28 18:48:11 »
Observador:

Citar
Esta batata foi vendida por 990 mil euros



Esta é a fotografia de uma batata. Se sente que esta história está prestes a ser ultrajada (afinal onde está a notícia, que a imagem mostra uma batata já sabia), saiba que esta não é uma fotografia qualquer: foi captada por Kevin Abosch e vendida por 750 mil libras, o equivalente a cerca de 990 mil euros. Não dá para fritar e acompanhar com alheira, não dá para cortar e fazer um bom bacalhau à Gomes de Sá.  Mas, mesmo assim, consegue ser pouco mais barata que 3 Ferrari Berlinetta.

Kevin Abosch protagoniza este insólito, mas antes já esteve do mesmo lado da câmara para fotografar mais do que um tubérculo coberto de terra. De acordo com a SMH, este artista já eternizou Johnny Depp, Steven Spielberg ou Sinead O’Connor. Isto apenas para citar alguns dos nomes sonantes com imagens assinadas pelo fotógrafo. Até que um dia mostrou “Potato #345” ao mundo e alguém desembolsou uma boa quantia de dinheiro pela imagem de uma batata.

Mas não julguemos o livro pela capa: o que tem esta batata para valer tanto dinheiro? A história por detrás da dita batata. Abosch convidou um homem de negócios europeu para jantar em sua casa. Tinha a imagem da batata pendurada na parede, fotografada em 2010 depois de uma entrega de vegetais orgânicos em casa do fotógrafo. À medida que o nível de álcool no sangue ia circulando nas veias do homem europeu, ele mostrou-se progressivamente mais interessado na fotografia: “dois copos de vinho e ele disse ‘eu gosto mesmo daquela foto’; mais dois copos de vinho e ele disse ‘eu quero mesmo aquela foto'”. Duas semanas depois, o preço foi negociado e a imagem vendida.

Com uma das fotografias agora pendurada na casa de um homem influente europeu, restam duas: uma delas foi doada por Kevin Abosch ao Museu Nacional de Arte Contemporânea, na Sérvia, enquanto outra continua na casa de Abosch.
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Re: Arte
« Responder #99 em: 2016-01-28 19:02:53 »
Ate concordo com o INC , eu normalmente ando de olho , nao tanto como gostaria , mas tenho visto a evoluçao de alguns artistas nacionais assim como o preço das suas obras . Tem sido muiiiiiito boa a evoluçao , seja de paisagem ou abstracta normalmente quando vejo algo que gosto valoriza..... porque? porque ha mais pessoas a pensar como eu...obras bem executadas , tradicionais ou nao.... valorizam sempre

De momento tentava apanhar algo a bom preço do Artur Cruzeiro Seixas , o homem ja tem 95 anos
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