A utilidade e valor de algo para quem o consome não está necessariamente ligada à complexidade e custo de o produzir.
Aqui, 100% de acordo.
Mas distingo (pelo menos) uma diferença fundamental entre a "utilidade e valor" de um objecto artístico, e a "utilidade e valor" de um objecto funcional.
No segundo caso, essa "utilidade e valor", essa qualidade, em resumo, podem ser objectivadas. Medidas através de critérios pré-definidos. Não dependem do nosso gosto, embora o nosso gosto possa influenciar a nossa escolha.
No primeiro caso, não. Não há forma de definir critérios objectivos que quantifiquem a qualidade da arte.
No caso da Arte (e, vá, do entretenimento), qualidade e gosto nadam numa zona sem fronteiras definidas.
Essa objectividade é coisa que não existe. O valor de algo é definido pelo que estamos preparados a prescindir para obter ou manter o algo.
Alguém pode gritar aos sete ventos que X é incalculavelmente valioso. Se lhe pedem 10 Euros para ter a coisa e não os quer dar, na realidade essa pessoa avalia o valor de X em menos de 10 EUR. Se lhe pedem 1 hora do seu tempo e não a quiser dar, avalia X em menos de 1 hora do seu tempo.
Ao mesmo tempo, quem vê o filho a afogar-se e se atira para uma situação perigosa para o tentar salvar, dá um valor ao seu filho acima do da própria vida (ou pelo menos, do da própria vida x probabilidade de a perder nessa situação).
O resto são tangas líricas. Muito comuns no campo da cultura, diga-se.
Tens razão. Mas penso que estamos a falar de coisas diferentes, embora relacionadas - ou pelo menos estamos a olhar para coisa de ângulos diferentes, não necessariamente contrários.
O que estou a dizer é que no campo das utilidade funcional (isto é, na produção de objectos que têm um objectivo prático de utilização: um parafuso, uma máquina de calcular, um frigorífico, um lápis, etc.) a qualidade pode ser medida/avaliada através de critérios aceites por toda a gente. Um parafuso, por exemplo, pode ser avaliado em função da resistência e durabilidade da liga em que é feito. Se ao apertares um parafuso notas que a chave desfaz a cabeça e fica a patinar, podes concluir que o parafuso não tem qualidade (e vice-versa, já agora, se for a chave a ficar "dentada"). Isto leva-te não só a escolher outra marca aquando da compra seguinte, mas também a poderes ter um critério objectivo que podes divulgar a outras pessoas e que seja aceite como tal: o parafuso da marca X não tem qualidade porque a liga é fraca e desfaz-se quando tentas apertar.
A outra pessoa pode à mesma querer escolher aquela marca, porque é mais barata, mas sabe que está a escolher algo de qualidade baixa.
Não, até nesses casos a qualidade não é objectiva. Depende sempre do que se está a prescindir por ela, nomeadamente se a qualidade vier associada a um custo mais elevado. Existindo especificações técnicas, pode ser possível atingi-las de várias formas. O valor de cada uma não é objectivo por si só porque pode ser suplantada por outra que lhe baixa o valor. Quanto muito a relação de valor entre duas coisas pode ser objectiva, ainda que o valor de cada uma não o seja. Por exemplo, podes não saber bem o que vale uma determinada acção (ninguém sabe), mas se essa acção for de uma classe igual a outra, então sabes que tenham o valor que tiverem, esse valor é igual (o relativo é objectivo, o absoluto não é).
O mesmo se pode passar com determinadas especificações técnicas. Se necessitas de uma dada especificação técnica e tiveres duas formas de a alcançar, o valor das duas vai tender a equivaler-se (se forem mesmo iguais a alcançar a especificação). O valor que atribuis a obter a especificação em si porém continua subjectivo -- obter essa especificação ser dispensável se o custo for alto o suficiente que ultrapasse o valor que atribuis a obter a especificação.
Por outro lado, se tens alguém que te paga X desde que a coisa tenha essa especificação, imediatamente obtê-la ganha um valor objectivo, porque tens como te ver livre da coisa a outro valor ditado por outra pessoa. O mesmo se passa com um quadro. Podes não lhe dar muito valor ou não saberes bem que valor terá. Mas se sabes que há comprador firme a X, então passas imediatamente a dar-lhe um valor que é X menos o que desejas ganhar se o conseguires obter.
E por aí adiante.
Em momento nenhum, porém, existe um valor fantástico para algo (exemplo de arte, cultura, etc) sem que ninguém esteja realmente disposto a prescindir de algo nesse valor (sozinho ou em grupo).
Resumindo, essas coisas que "vendem" como tendo grande valor não têm grande valor porque ninguém está disponível para voluntariamente prescidir de algo que se aproxime ao valor publicitado.
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Uma consequência disto é também que os valores são relativos. O que se prescinde tem um valor. Aquilo pelo qual o prescindimos, assume-se que terá um valor superior. Aquilo que não prescindimos por algo, presume-se por sua vez que terá um valor superior ao algo.