E se o povo for estúpido?
por MIGUEL ANGEL BELLOSOHoje
Pablo Iglesias, o secretário-geral do Podemos, que é o homólogo do Syriza em Espanha, iniciou a sua corrida eleitoral declarando o seu apoio ao primeiro-ministro grego. Disse ele: "Os princípios de Alexis são muito claros, mas o mundo e a política têm que ver com correlações de forças... O que o governo grego fez era, infelizmente, a única coisa que podia fazer." Eu sou um cético sobre o acordo alcançado entre a UE e Atenas. Como o difamado Schäuble. O ministro das Finanças alemão. A UE optou por empurrar o problema grego com a barriga, mas este voltará a estar em cima da mesa dentro de pouco tempo e ter-nos-á custado milhares de milhões de euros mais. Porquê?
O próprio Tsipras declarou que também ele não acredita na validade do pacto - uma confissão tremendamente obscena -, que se viu obrigado a assiná-lo por questões táticas, "dada a correlação de forças", para citar as afirmações de Iglesias. Tsipras também esclareceu que está à espera de que "outros como nós cheguem ao poder na Europa", porque isso dará força ao movimento de rutura e antissistema que terá de fazer a revolução no continente. O próprio Iglesias, num dos seus comícios de fim de semana, gritou ao público que o escutava: "Espera Alexis, que nós já vamos!"
Estes dementes estão convencidos de que serão capazes de mudar a ordem natural da política e da economia. Só estão à espera de que os ventos sejam mais favoráveis. Num artigo recente no diário El País, o jornal de maior tiragem em Espanha, Pablo Iglesias escreveu que "as próximas eleições não dão início apenas a uma nova legislatura mas, quem sabe, também a um regime político diferente. O Podemos quer que os protagonistas das mudanças não sejam as elites políticas e económicas, mas sim os cidadãos". Mas, e se os cidadãos forem estúpidos? Por exemplo, na Grécia, Tsipras conseguiu que a incipiente recuperação que a economia indiciava nos finais de 2014 se convertesse numa recessão profunda; declarou um corralito (controlo de capitais) e provocou a escassez de bens essenciais como a massa, o arroz e o leite para crianças. Depois de convocar um referendo para que os seus cidadãos fizessem história e repudiassem o ultimato dos credores em nome da dignidade e da democracia, regressou de Bruxelas com um resgate mais duro. Perante este rosário de calamidades, seria de esperar que a sua reputação se tivesse afundado, mas aconteceu precisamente o contrário: o apoio a Tsipras passou dos 38% de janeiro para os 74% do princípio de julho. Os bancos estiveram encerrados durante três semanas e as pessoas fazem fila à porta dos supermercados, mas a sua popularidade não para de subir. É uma tendência realmente desconcertante. O que podemos pensar sobre isto?
A nossa confiança no sistema maioritário de decisões baseia-se na suposta sabedoria do povo. Não é tanto porque as democracias adotem quase sempre as decisões ótimas, mas porque, além do mais, são mais ágeis do que as tiranias a corrigir os seus erros mudando de dirigentes. Mas isto, que parece certo em termos políticos, não o é sempre em termos económicos. No campo da economia é um facto que, geração após geração, os votantes de muitas democracias escolhem uma e outra vez impor taxas, estabelecer salários mínimos, aumentar a pressão e a progressividade fiscal, aumentar a despesa pública, subsidiar setores estratégicos ou, como vimos recentemente na Grécia, recusar o equilíbrio orçamental ou repudiar a dívida. A evidência empírica demonstra que todas estas mediadas conseguem travar o crescimento e implicam quase sempre uma perda de bem-estar. Porque são então votadas por maiorias entusiastas?
Há muitas teorias científicas que explicam este comportamento insólito. Uma delas, elaborada por Gordon Tullock, afirma que, dada a dificuldade de adquirir conhecimento fiável e a baixa repercussão para cada votante das medidas económicas adotadas pelos seus representantes, é racional não investir em informação e votar de maneira despreocupada e intuitiva. Outros autores como Brennan e Lomasky pensam que, na hora de votar, muitos cidadãos manifestam a sua pertença a um grupo, a sua identidade, os seus princípios ou crenças e que todas essas circunstâncias interferem com a suposta racionalidade económica com que se deposita o boletim de voto. Há outra teoria, ainda mais surpreendente e, para mim, a mais consistente, segundo a qual os erros económicos das maiorias são conscientes. Deliberados. Este último enfoque, o da "irracionalidade racional", postula que muitos votantes adotam decisões equivocadas de propósito, porque a sua satisfação pessoal de votar contra o sistema de mercado é maior do que o cálculo que fazem sobre o agravamento da sua própria situação material como consequência das suas decisões. Bryan Caplan chamou a este impulso demente "a ideologia do sentimento de satisfação" (feel-good ideology). A mim parece-me válida para explicar muitas decisões com consequências económicas catastróficas como a ascensão dos programas neoleninistas, a loucura do "voto para chatear" dos antissistema ou o desvario coletivo do recente referendo grego, após o qual os cidadãos continuam a apoiar quem os enganou e os submete a um ajustamento mais severo do que estava previsto.
Quando Pablo Iglesias assegura que as próximas eleições espanholas deveriam abrir o caminho a um regime político diferente está a sugerir uma ditadura, que é a única alternativa à democracia. Esta ideia pode ser embrulhada como se quiser, como o resultado do voto popular, mas é o que têm na cabeça a classe de dementes com os quais estamos a jogar o futuro em alguns países como o meu. Se as pessoas tivessem algum interesse em conhecer a estratégia destes radicais fariam bem em ler o artigo que Pablo Iglesias escreveu na revista The New Left Review há um mês: "Entender o Podemos". Nele explica sem complexos a sua agenda política: o importante é alcançar o poder. Mas isso exige aproveitar os sentimentos mais primários e mesquinhos das pessoas maltratadas pela crise económica. Obriga a exaltar o ânimo dos desesperados, a apontar o dedo aos corruptos e a enfatizar a suposta desigualdade gerada pela recessão. E implica prometer um futuro presidido pela justiça social. O Podemos não está interessado nos debates de fundo sobre a monarquia ou a república, a reparação dos danos ocasionados pelo franquismo ou o aborto, com os quais a estúpida esquerda convencional está obcecada. Para assaltar o poder, como dizia Lenine, estes itens são meros aperitivos que nos afastam do prato principal: como excitar a inveja das pessoas, gerar a sua ira e instigar a sua vontade de destruir o sistema entregando-se ao Podemos como o meio para alcançar o fim.
Iglesias é um demente perigoso como Tsipras, o qual The Economist declarou ser o "inimigo público número 1" de todos os que acreditam na liberdade. Se tivermos a infelicidade de que chegue ao poder prometendo a justiça social, já sabemos com o que podemos contar: a posta em marcha ao máximo do seu programa em todos aqueles assuntos que agora evita taticamente. Os que conduziriam qualquer país à reedição de uma tirania soviética. Portugal já tem experiência suficiente neste campo para evitar o possível drama.
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