A liberdade de escolha
não vale a pena perder muito tempo com questões filosóficas em torno do valor da “liberdade”, algo que ninguém contesta, a menos que lhe calhe um bando de libertários à porta. O que quero deixar aqui claro é que o que está actualmente em causa entre nós não é a aplicação dos princípios da “liberdade de escolha” que em certas zonas dos EUA serviram, por exemplo, para resolver problemas de segregação racial e social, proporcionando ofertas educativas específicas para populações desfavorecidas que assim viram melhorar o seu nível educacional.
A criação de magnet e charter schools, assim como a concessão de targeted vouchers, foram medidas pensadas para melhorar o desempenho escolar dos mais carenciados. Só mais tarde surgiu o negócio da Educação, propriamente dito, em que alguns estados americanos permitiram que essas medidas se direccionassem preferencialmente para públicos mais da classe média ou mesmo média-alta. Na Europa, medidas deste tipo surgiram fundamentalmente em países do norte com índices baixos de desigualdade socio-económica.
Entre nós, embora só conheçamos a proposta de decreto-lei, ficando na penumbra a portaria que regulamentará os apoios específicos em matéria de “cheque-ensino” porque em Portugal uma lei nunca é uma lei mas sim uma lei cheia de apêndices (portarias, decretos normativos, decretos regulamentares, despachos e etc), parece estar a preparar-se um modelo de “apoio às famílias” que, sem cuidados na aplicação, levará principalmente a que esse apoio sirva para que quem já tem os filhos no ensino privado se veja ressarcido de parte das propinas pagas, enquanto quem os não pode ter, continuará a não poder. E eu explico muito facilmente porquê… pois se um colégio cobrar de propinas 7500 euros anuais (ou mais, sem contar com a pré-inscrição, a matricula inicial e coiso e tal), a atribuição de um cheque de 3500 ou 4000 euros “às famílias” nunca conseguirá que um puto ali do bairro seja admitido num colégio de top, quer porque haverá sempre quem tenha os apelidos certos à frente, seja porque a sua família não conseguirá cobrir a quantia restante, mais as deslocações e o preço dos uniformes.
A “liberdade de escolha” não parece orientar-se para a criação de escolas destinadas a grupos sociais específicos, tradicionalmente desfavorecidos ou com maus resultados, visando melhorar esse guetos educacionais, ou para a concessão de apoios a esses mesmos grupos, sendo mais evidente que tem como objectivo conseguir que os colégios privados sem subsídio directo (leia-se “contrato de associação”) o possam vir a ter de forma indirecta através do tal “apoio às famílias”. Esta “liberdade” será, paradoxalmente, um mecanismo de cristalização e aprofundamento das desigualdades, algo que se constatará facilmente em pouco tempo, mesmo que se encenem umas coisas a disfarçar o essencial. E os arautos da “liberdade”, que agora criticam que faz estes avisos, terão o desplante de dizer que o sistema é bom, a aplicação é que poderia ter corrido melhor (um pouco à moda dos seus simétricos políticos). E quem legislou já se terá ido embora e, como aconteceu com os seus antecessores, nunca será responsabilizado por nada, mesmo que alguém apareça na comunicação social a demonstrar que mentiu ou que, logo que saiu de um posto público de decisão política foi servir os interesses privados que ajudou a financiar. Porque essa é a regra e não a excepção. a da irresponsabilidade total.
PG