O professor universitário Alexandre Quintanilha alertou hoje para o que considera ser um processo "nefasto e muito perigoso" de desinvestimento na investigação científica em Portugal que pode levar a um retrocesso de décadas.
Em declarações à Lusa na sequência do anúncio dos resultados da atribuição de bolsas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o antigo diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto disse temer que Portugal volte "a ser um país com uma elite económica, cultural, científica e técnica muito pequena, de 5% da população, e no resto da população trabalhadores de vários níveis, mal pagos, inseguros, com uma pouquíssima esperança de poderem aceder a essa elite".
"Acho que se a comunidade científica não perceber nesta altura que isto é um ataque geral à grande maioria de investigadores no país e se não se unir para juntar esforços para ver se consegue alterar esta situação, então penso que teremos aquilo que merecemos", declarou Alexandre Quintanilha.
O investigador disse ter recebido a notícia dos resultados das bolsas deste ano, que passaram por "uma redução de 50% de bolsas de doutoramento e de 70% de bolsas de pós-doutoramento", com "muita preocupação, alguma perplexidade e algum receio" e lembrou que, quando chegou a Portugal na década de 1990, o país estava a encetar um processo de passagem da "cauda da Europa" para a linha da frente em muitos indicadores.
"Esta aposta que é feita por muitos governos em todo o mundo de educar e formar as pessoas e de apostar na investigação é uma aposta que leva décadas a construir, é destruída com enorme facilidade e depois leva ainda mais tempo a reconstruir", constatou Alexandre Quintanilha, investigador de 68 anos que passou mais de duas décadas na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
O professor catedrático da Universidade do Porto acrescentou, ainda, que a diferença existente entre as bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento atribuídas às ciências sociais e às ciências exatas não aconteceu "por acaso".
"É errado pensar que as questões sociais e humanas não são importantíssimas para o desenvolvimento de um país e, portanto, essa 'razia' ainda maior na área das ciências sociais não é só mais preocupante como também indicia aquilo que eu também, às vezes, penso que é um objetivo intencional", lamentou Alexandre Quintanilha, recorrendo ao adjetivo utilizado pela Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).
De acordo com o inquérito preliminar da ABIC, uma área, por exemplo, como as Ciências e Tecnologia do Mar, teve uma percentagem de bolsas aprovadas de 13,04%, número próximo do atingido por disciplinas como a Física (13,21%) e a Agricultura e Ciências Florestais (12,86%).
Por seu lado, novamente a título de exemplo, a percentagem de aprovação em Ciência Política e Direito foi de 6,02% e em Economia, Finanças e Gestão de 5,26%.
Na quarta-feira, a ABIC convocou uma concentração para a próxima terça-feira, junto à sede da FCT, em Lisboa, contra os "cortes brutais" das bolsas do concurso de 2013.
Já hoje, o dirigente socialista Carlos Zorrinho acusou o Governo de estar a preparar um "inverno científico" em Portugal ao reduzir o número e o valor das bolsas atribuídas para doutoramentos e para investigação em ciência
DN