A OPA potestativa - Será constitucional?

Da Thinkfn

Por vezes, a Constituição da República diz uma coisa, e as Leis menores, como o Código de Valores Mobiliários, dizem outra. E no entanto, a Lei menor é aplicada sem que alguma vez seja questionada. O Caso das Aquisições Potestativas é uma dessas possíveis violações da Constituição, como veremos ...


O que é uma Aquisição Potestativa ?

Essencialmente, é o direito que o CVM atribui a quem lançou uma OPA à totalidade de uma sociedade-alvo, se ultrapassar 90% dos direitos de voto dessa sociedade, poder forçar os accionistas que não venderam a venderem, ao mesmo preço da OPA anteriormente lançada.

Esse direito encontra-se nos seguintes artigos do CVM:


SECÇÃO III

Aquisição tendente ao domínio total

Artigo 194.° Aquisição potestativa

1. Quem, após o lançamento de oferta pública de aquisição geral em que seja visada sociedade aberta que tenha como lei pessoal a lei portuguesa, ultrapasse, directamente ou nos termos do n.° 1 do artigo 20.°, 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social pode, nos seis meses subsequentes ao apuramento do resultado da oferta, adquirir as acções remanescentes mediante contrapartida calculada nos termos do artigo 188.°.

2. O sócio dominante que tome a decisão de aquisição potestativa deve publicar de imediato anúncio preliminar e enviá-lo à CMVM para efeitos de registo.

3. Ao conteúdo do anúncio preliminar aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nas alíneas a) a e) do n.° 1 do artigo 176.°.

4. A publicação do anúncio preliminar obriga o sócio dominante a consignar a contrapartida em depósito junto de instituição de crédito, à ordem dos titulares das acções remanescentes.


Artigo 195.° Efeitos

1. A aquisição torna-se eficaz a partir da publicação, pelo interessado, do registo na CMVM.

2. A CMVM envia à entidade gestora do sistema centralizado ou à entidade registadora das acções as informações necessárias para a transferência entre contas.

3. Se as acções forem tituladas e não estiverem integradas em sistema centralizado, a sociedade procede à emissão de novos títulos representativos das acções adquiridas, servindo os títulos antigos apenas para legitimar o recebimento da contrapartida.

4. A aquisição implica a imediata exclusão da negociação em mercado regulamentado das acções da sociedade e dos valores mobiliários que a elas dão direito, ficando vedada a readmissão durante dois anos.



Ou seja, se verificados os factos de que a Lei (CVM) fala, uma pessoa privada pode FORÇAR outra pessoa privada a VENDER o seu património por um dado preço. Ou seja, na prática, pode EXPROPRIAR essa pessoa privada, INDEMNIZANDO-A com o que julga ser a justa contrapartida. Aliás, a lei fica ainda mais engraçada, pois prevê TAMBÉM que os detentores de menos de 10% do capital da sociedade alvo, FORÇEM o accionista maioritário a Comprar-lhes as suas posições, nos mesmos termos da OPA. Isto vem no artigo seguinte:


Artigo 196.° Alienação potestativa

1. Se o direito de aquisição potestativa não for exercido tempestivamente, pode cada um dos titulares das acções remanescentes dirigir por escrito ao sócio dominante convite para que, no prazo de trinta dias, lhe faça proposta de aquisição das suas acções.

2. Na falta da proposta a que se refere o número anterior ou se esta não for considerada satisfatória, qualquer titular de acções remanescentes pode tomar a decisão de alienação potestativa, mediante declaração perante a CMVM acompanhada de:

a) Documento comprovativo de consignação em depósito ou de bloqueio das acções a alienar; b) Indicação da contrapartida calculada nos termos do artigo 188.°.

3. Verificados pela CMVM os requisitos da alienação, esta torna-se eficaz a partir da notificação por aquela autoridade ao sócio dominante.

4. A certidão comprovativa da notificação constitui título executivo.


Então o­nde está a Inconstitucionalidade ? É simples, a Lei Fundamental, a Constituição, prevê o Direito à Propriedade Privada, e naturalmente, todas as excepções a esse direito têm TAMBÉM que estar consagradas numa Lei do mesmo nível, ou seja, só podem estar consagradas na CONSTITUIÇÃO. E de facto estão ... como podemos ver no artigo da Constituição que fundamenta o Direito à Propriedade Privada:


Artigo 62.º

(Direito de propriedade privada)

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.



Como se vê, a única excepção que se pode encontrar ao Direito à Propriedade Privada, vem de Requisições e Expropriações por Utilidade Pública. Assim sendo, a EXPROPRIAÇÂO por um interesse privado (como a consagrada na Aquisição Potestativa), não sendo de utilidade pública, só pode ser inconstitucional, visto que uma Lei Menor não pode abrir excepções, ou violar, a Constituição.

Ou seja, ou se altera a Constituição (o que é difícil, pois raramente nela se mexe, e quando se mexe, não é certamente a pensar no Mercado de Capitais ...), ou um dia, um accionista expropriado numa destas Aquisições Potestativas, acabará por refilar até ao Supremo, o­nde naturalmente, e a menos que “Interpretem” muito a Lei, estará destinado a vencer a contenda (portanto, a menos que algum advogado criativo ajudado por um juíz criativo consigam acreditar que a existência do direito de expropriação por interesse privado é do interesse público, dada uma suposta eficiência que introduza na economia).

Porque é que ainda ninguém refilou ? Essencialmente porque todos sabem os anos, dinheiro, e paciência que perderiam na nossa Justiça, se o fizessem ...


Autor

Incognitus, em 20/10/2004

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