É lamentável que a racionalidade não faça questionar o que verdadeiramente acontece dentro do SNS, todos os dias....
..."O SIGIC - Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia - E O AUMENTO DAS LISTAS DE ESPERA
Uma fatalidade do país ou um problema que interessa manter a todo o custo?
Toda a verdade que anda a ser escondida aos portugueses.
Muito recentemente, a propósito de um comentário meu relacionado com o aumento das listas de espera para cirurgia, alguém que inadvertidamente atingi com o mesmo, e reforço inadvertidamente já que tal intenção nunca esteve no horizonte do meu pensamento, julgando encontrar-me distraído, atirou com uma frase deliciosamente reveladora, desde logo pelo sarcasmo que encerra em si mesma. Não resisto a fazer-lhe pública referência, ou não fosse este um estilo literário que me agrada sobremaneira.
Numa tentativa, quanto a mim falhada, de atacar o meu comentário sem ter que assumir o confronto directo e a defesa do seu ponto de vista, socorre-se o autor de uma subtileza que, não me tendo passado despercebida, com alguma perspicácia da minha parte, admito, a qual não posso deixar de realça apesar do risco de imodéstia.
Afirma-se na citada frase simplesmente o seguinte:
"O SIGIC - alergia de muitos enfermeiros"
Chegados a este ponto, dirão alguns tratar-se de uma frase quase esvaziada de conteúdo e de uma pobreza extrema na parte que ao sentido da mesma se refere.
Foi também esta a minha primeira impressão, tenho que admitir sob pena de, não o fazendo, estar a abdicar daquela honestidade intelectual que sempre tento imprimir em tudo quanto vou escrevendo.
Já uma análise mais atenta acaba por conduzir a uma conclusão que é a exacta antítese daquela primeira, que desde logo rejeitei por se apresentar demasiado simplista a qual, no limite, só podia constitui-se ofensa ao autor.
E isto para dizer que a frase que tenho vindo a citar não só não é parca quanto ao seu conteúdo como é, outrossim, de uma riqueza semântica invejável.
Cabe aqui referir que concordo com o autor quanto ao conteúdo explícito. Não posso, contudo deixar de assumir um pensamento dissonante quando nos situamos ao nivel daquele que é seu o conteúdo implícito
Onde divergimos é, nesta conformidade, em relação áqueles que são os alérgicos, já que o alergeno esse sempre será o mesmo. O SIGIC, evidentemente.
Felizmente que a maior parte de nós tem a necessária clarividência para perceber que não é por esta via que a lista de espera para cirurgia vai algum dia ficar resolvida.
Antes pelo contrário, só está e continuará a agravar o problema.
As listas de espera para cirurgia, e isto a população portuguesa tem que saber, são uma construção da classe médica e servem sobretudo os interesses daqueles que se furtam ao cumprimento das suas obrigações nos serviços públicos, que deixam de efectuar as cirurgias nos blocos operatórios dos hospitais públicos para as realizarem na privada ou mesmo dentro da própria instituição, mas a um custo estrondosamente superior para os cofres do Estado, no programa SIGIC.
Interessa, pois, que as listas de espera continuem a aumentar, criando verdadeiros stocks de doentes, matéria prima que irá alimentar a fábrica privada, ou o programa SIGIC, onde se satisfaz a gula incessante de uma corte de cirurgiões e anestesistas. Sim, cirurgiões anestesistas, já que os enfermeiros ou não são pagos ou são pagos com trocos.
É evidente que , quando os que criam e promovem o aumento das listas de espera são os mesmos que serão principescamente pagos para supostamente as resolver, certo será que o problema só irá agravar-se.
A solução é bem outra. E consiste
precisamente em acabar com o programa, sem apelo nem agravo. Colocar os blocos operatórios do país a funcionar em pleno, e não durante escassas horas por dia, como se verifica em inúmeras situações, utilizando os recursos que também existem. É por esta via que as listas de espera hão-de ser resolvidas ao invés de continuarem a crescer, qual bola de neve, constituindo-se como o verdadeiro cancro do SNS, ao qual estão a ser aplicados apenas paliativos, numa lógica segundo a qual o que interessa não é a cura mas a manutenção da cronicidade.
Está na hora de exigir o cumprimento dos horários pelos médicos com vínculo às instituições do SNS, de impedir e punir aqueles que, lesando o interesse público, não produzem ou produzem pouco, para garantirem que o SIGIC continue a proporcionar um rendimento várias vezes superior ao salário normal.
Os portugueses, o que têm que saber, é que as listas de espera não são resultado, apenas, da Greve Cirúrgica dos Enfermeiros, são antes culpa da classe médica que as "inventou" e continua a manter, sem qualquer interesse em extingui--las, antes pelo contrário.
Diga-se, por fim, que alguns médicos que têm vindo a terreiro para denegrir a imagem dos Enfermeiros e da sua Bastonária, nomeadamente através da secção regional do norte da ordem dos médicos, não o fazem por preocupação com os doentes, mas antes porque a mina de ouro à qual se habituaram não funciona sem colaboração dos enfermeiros que, num gesto de solidariedade para com os colegas em greve, têm vindo a suspender a sua participação no SIGIC, assim diminuindo o rendimento dos senhores doutores.
Podem até sentir-se incomodados porque lhes estão a secar a fonte, não podem é fazê-lo recorrendo à mentira, lançando suspeições sobre os enfermeiros, no que à ética e à deontologia profissionais diz respeito.
Aliás, quando falamos de ética e deontologia profissionais, os enfermeiros são não só mestres como doutores e neste campo não recebem lições de ninguém, muito menos da classe médica que, seguramente, não é exemplo para ninguém.
Fernando Manuel dos Santos Dias,
Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica
Membro da Ordem dos Enfermeiros - Cédula Profissional 7677
Centro Hospitalar de Leiria - Unidade de Pombal"