Bíblia é um monumento à derrota
num mundo vencedores escrevem sobre dominio
velho Testamento é ficção criada para forjar identidade de reinos assolados por impérios vizinhos
A Bíblia existe bem antes de Jesus nascer. Foi escrita há milhares de anos, ao longo de séculos, por gerações de escribas anônimos. Recém-publicado pela Cambridge University Press, "Why the Bible Began" (por que a Bíblia teve início), de Jacob L. Wright, professor de estudos bíblicos da Universidade Emory, tenta dar uma resposta histórica para a origem do Velho Testamento. Não tem a ver com Deus, mas com os homens, com poder e política, com a invenção e a sobrevivência de um povo e de uma nação.
Em meados do milênio que precedeu o nascimento de Cristo, Israel era uma tripa de terra sem maior interesse além de servir de ponte entre as grandes potências que a esmagavam e subjugavam (os egípcios de um lado; os assírios, os babilônios e os persas do outro; mais tarde também os gregos e os romanos).
Na verdade, nem Israel era o que hoje chamamos de Israel, nem os judeus um povo só. Estavam divididos em reinos rivais e antagônicos: Israel ao norte, tendo Samaria como capital, e a Judeia ao sul, onde fica Jerusalém. Outros povos habitavam a atual faixa de Gaza, a região do Neguev e as terras a leste do rio Jordão e do mar Morto.
Wright se pergunta por que apenas a união de dois pequenos reinos periféricos, massacrados por potências vizinhas, foi capaz de produzir um texto fundador que se mantém presente e determinante mais de dois milênios depois. Por que nenhum desses impérios vizinhos deixou nada parecido?
A resposta está na derrota, na condição do perdedor. Cercados por inimigos poderosos, sucessivamente escravizados, privados de Estado e território, só restava a esses dois pequenos reinos adversários compor uma identidade comum a partir da combinação das diferenças (entre clãs, etnias, cidades, histórias concorrentes e até mitos dos povos que os dominavam) num único corpus. Uma "narrativa nacional" feita de fragmentos heterogêneos.
A Bíblia é um monumento à derrota, ou mais propriamente aos derrotados. Faz parte das grandes narrativas da humanidade, as mais cativantes, que pedem paciência e força, porque o dia da vitória há de chegar.