Artigo de Pedro Magalhães no Expresso:
"Quem quer votar no Chega?
Quem vota na direita radical? No resto da Europa, onde estes partidos triplicaram a sua votação nas últimas duas décadas e começaram a ser estudados, foi-se formando ao longo do tempo uma espécie de “retrato-robô” dos seus eleitores: homens, jovens, com baixa instrução, operários, desempregados ou pequenos empresários ou comerciantes. Homens, porque as mulheres rejeitam o antifeminismo da direita radical. Jovens, porque menos ligados aos partidos estabelecidos. Operários ou desempregados com baixa instrução, porque mais vulneráveis e sentindo uma ameaça na competição dos imigrantes no mercado de trabalho. Pequenos proprietários, porque conservadores, preocupados com a “lei e ordem” e também eles potenciais vítimas da atual transformação económica.
A questão coloca-se agora em Portugal, após a eleição de André Ventura e a subida abrupta do Chega nas sondagens mais recentes, incluindo a sondagem ICS/ISCTE desta semana. Mas a resposta, mesmo com todos os cuidados que devem decorrer de uma amostra pequena, desafia o “retrato-robô”. Metade dos eleitores que tencionam votar no Chega são mulheres. Entre os 18 e os 24 anos, o partido quase não existe, e é só entre os 25 e os 44 anos que lhe encontramos um apoio desproporcional. Um em cada cinco dos eleitores atuais do Chega tem curso superior e mais de um terço completou o ensino secundário, acima da instrução média dos portugueses adultos. De resto, é entre estes, e não entre os menos instruídos, que a atuação de André Ventura é mais bem (ou menos mal) avaliada.
O Chega também não tem especial sucesso junto dos pequenos empresários e comerciantes, segmento onde o PSD continua a ser o mais bem posicionado. E enquanto mais de um terço dos que tencionam votar na CDU ou do PS são (ou foram) operários, menos de 10% dos eleitores do Chega têm essa característica. O segmento ocupacional em que o Chega mais se destaca é o dos empregados de escritório: trabalhadores não manuais, com algumas qualificações, mas sem poder significativo sobre pessoas ou recursos nos seus locais de trabalho. E é mais fácil encontrá-los nas grandes cidades do que no mundo rural, e na Grande Lisboa do que noutra região.
Existe uma história “clássica” sobre o crescimento da direita radical. Ela decorreria da deserção da direita tradicional pelos pequenos proprietários e da esquerda tradicional por um operariado “vítima da globalização”. Mas essa história corresponde ao percurso concreto de alguns países, cada vez menos generalizável à medida que a direita radical cresce noutros contextos. Como escrevia o sociólogo holandês Matthijs Rooduijn num artigo de 2018 em que analisava as bases sociais de partidos populistas em 11 países europeus, desse ponto de vista, “o eleitor populista não existe”. Ou melhor: existe, mas o “retrato-robô” que sobre ele circula não passa de uma caricatura demasiado grosseira para ter utilidade em contextos concretos."