«2. Preconceitos sobre a economia politica. – Muitos êrros teem corrido sobre a sciencia de que nos vamos occupar, mesmo da parte dos individuos que melhor a deviam conhecêl-a. Esses êrros provêem, frequentemente, de se julgar saber economia politica sem nunca a ter estudado. Ninguem de bom senso se aventura a contradizer um chimico sobre chimica, um astrónomo sobre eclipses ou mesmo um geólogo sobre rochas e sobre fósseis. Mas todos teem a sua opinião sobre o commercio mal entendido, sobre o effeito da alata dos salarios, sobre o transtorno que produz a offerta de trabalho a baixo preço, emfim, sobre centenas de questões de importancia social. Essa gente não vê que estes assumptos são, na realidade, mais difficeis de comprehender que a chimica, a astronomia ou a geologia e que toda uma vida de estudo não basta para nos permittir falar delles com segurança. E, comtudo, aquelles que nunca estudaram economia politica, são, em regra, os que falam della com mais desassombro.
O facto é que, assim como outrora se detestava a sciencia physica, tambem hoje ha uma especie de desconfiança ignorante, de impaciencia contra a economia politica. O homem gosta de seguir os seus proprios impulsos e os seus preconceitos, e vexa-se quando lhe dizem que faz, justamente, o que conduz a um fim diametralmente opposto ao que elle procura. Vamos ao caso da soi-disant caridade. Muitas pessoas caritativas julgam que é uma virtude dar esmola á gente pobre que lha pede, sem pensarem no effeito que ella produzirá nessa gente. Veem o prazer do mendigo que recebe a esmola, mas não vêem os effeitos ulteriores, isto é, o augmento do numero dos mendigos. A pobreza e os crimes são em grande parte o resultado da caridade mal entendida do passado, caridade que foi causa de que uma boa parte da população se tornasse desleixada, imprevidente e preguiçosa. A economia politica prova que, em vez de dar esmolas accidentaes e irreflectidas, devemos velar pela educação do povo, ensinál-o a trabalhar, a ganhar a vida, a poupar alguma coisa para auxiliar a velhice. Se elle presisitir na preguiça e na imprevidencia, deve soffrer-lhe as consequencias. Mas, como esta maneira de proceder pode parecer sevéra, os economistas vêem-se condemnados pela gente de coração sensivel mas illudido. A sciencia passa por inflexivel e despiedada e conclue dahi que ella não tem por objectivo senão fazer mais rico o rico e deixar morrer o pobre.
O economista, quando ensina o homem a procurar mais facilmente as riquezas, não lhe diz que elle deve guardar os seus bens como um avaro, nem dispendêl-os em luxuosas loucuras, como se fosse um pródigo. Nada existe na sciencia para dissuadir o rico de dispender a sua riqueza de um modo ao mesmo tempo generoso e util. Póde auxiliar com prudencia os parentes e amigos; póde fundar instituições de utilidde publica, bibliothecas, museus, prques, hospitaes, etc.; favorecer a educação do povo ou crear estabelecimentos de educação superior; pode soccorrer os que soffrem de infortunios contr os quaes não teriam podido preaver-se. Os enermos, os cegos, todos aquelles a quem é absolutamente impossivel ganhar a vida, estão naturalmente indicados á caridade do rico. O que o economista quer, é que a caridade seja realmente a caridade e não prejudique aquelles que quer auxiliar. E´ triste pensar que até aqui muito mal tem sido feito por aquelles que só querem fazer o bem.
Não é menos triste ver milhares de pessoas pretenderem melhorar a sua situação por meios que teem justamente o effeito contrario, pelas gréves, pela resistencia ao emprego das machinas, pelas restricções impostas á producção da riqueza. Os trbalhadores teem creado uma economia politicapara elles; querem tornar-se ricos, esforçando-se por não produzirem muitas riquezas. Vêem o effeito immediato do que fazem, mas não o resultado final.»
Stanley Jevons (1835-1882), Professor da Universidade de Londres,
Economia Política, Trad. revista por Agostinho Fortes,
Edição da Typographia de Francisco Luiz Gonçalves,
Rua do Alecrim, 80-82, Lisboa, 1909, pp. 7-9