O país pode convergir para o seu potencial com a "saída" de tais regimes, o problema é que parece-me que a tua premissa é de que partem dum ponto de partida igual. Ou seja que dois países que se libertassem dum regime opressor ao mesmo tempo (vamos inventar 1900 por ex) que a partir desse momento vão mostrar o que realmente valem. A questão é o grau de danos que o regime opressor causou, durante quanto tempo e que tipo de sociedade deixou ao "ir-se embora".
O comunismo é um regime horrível, eu sei que tu o detestas e eu também. Mas temos que ser minimamente correctos. O comunismo tem muitos defeitos mas por exemplo na Rússia e na RDA parece-me razoável dizer que as bases para uma sociedade avançada estavam lançadas. As pessoas tinham educação, muita dela muito avançada, muita população com conhecimento profundo em matemática, física, engenharia. Com a queda da cortina de ferro, até o ocidente beneficiou com desse know-how. E o aparelho político, os organismos públicos eram organizados; duma forma doentia é certo, mas havia coordenação, havia ordem. Havia uma população que tinha que ser alimentada, uma máquina de guerra que tinha que estar operacional e que tinha que ter músculo para assustar uma potência do tamanho dos USA.
Mas a saída do mesmo comunismo no Uzbequistão deu origem a algo muito mais atrasado. Não tenho conhecimentos para falar a fundo mas o facto de ser basicamente um "colónia" da URSS em que a quantidade e qualidade das pessoas com educação bem como a organização interna do país de certeza que seriam bastante inferiores a da RDA ou URSS. Logo os pontos de partida são muito diferentes.
Em zonas de África, estamos a falar de séculos de sistemas que nem têm bem qualificação. Durante décadas houve uma sangria brutal de população, que basicamente era recolhida por tribos guerreiras locais que depois levavam os prisioneiros para cidades em que os navios atracavam e faziam a venda da "mercadoria". O impacto que isto teve é alucinante. O tal paradigma da agricultura que referes é completamente travado. Se tens que fugir pela sobrevivência, tens que constantemente abandonar o que já construíste qual o impacto que isso terá no desenvolvimento local; como raio é que uma sociedade pode evoluir nestas condições?
Mesmo mais tarde na África do Sul (finais do séc XIX e início do séc XX) quando a agricultura já era bem razoável, as pessoas eram interessadas no comércio, em adquirir novos instrumentos agrícolas, em cultivar mais terras, tens a aplicação de regras absurdas que usurpam essas mesmas terras e uma carrada de regras que basicamente aniquilam a hipótese de os negros locais participarem num processo evolutivo como sociedade. Tudo isso numa fase em que pouco tempo depois apareceria o reinado do petróleo em força e a consequente revolução agrícola que tal traria. Quem pode afirmar ao certo se esses mesmo agricultores, se tivessem hipótese não participariam nessa fase?
Enquanto isso o Botswana por não interessar grande coisa às potências coloniais foi deixado "relativamente" em paz e pode criar as bases para um tipo bem diferente de sociedade. Nota, na mesma em África.
E em muitos locais (porque por vezes até é difícil falar em países), mesmo com a saída dos colonizadores a situação era tão caótica, com zero de organização, que eram o palco ideal para serem sítios onde a guerra civil reina. Não há como assentar arraiais nestas circunstâncias. É difícil haver evolução social nestas condições.
Quando a Companhia Holandesa da Índias começou o processo de controlar o comércio de especiarias em zonas que hoje grosso modo são o território da Indonésia existiam zonas com o conhecimento para cultivar essas especiarias, com pessoas que faziam comércio das mesmas. Existiam até pequenas cidades que eram administradas por conselhos de cidadãos. Ou seja havia os elementos chave para um sociedade minimamente desenvolvida. A Companhia Holandesa desintegrou completamente tal estrutura. Houve massacres em massa. Com o pânico gerada, muitos estados e cidades abandonaram essas culturas e comércio, houve até casos de mudanças das capitais para zonas mais interiores para fugir à fúria do controle das especiarias por parte do holandeses. Qual o impacto que tal teve no desenvolvimento destas sociedades? Para mim é impossível calcular. E hoje a Indonésia é o que é .....
E há outra questão ligada ao QI.
Se há algo como o QI duma população e isso é transmitido de forma hereditária, qual a resposta que um estudo destes dá para a questão das sangrias populacionais ocorridas em África durante esse período de captura de escravos (que não aconteceu apenas para o ocidente, ocorreu também para Oriente, algo muito pouco falado). Porque basicamente estamos a falar de algo que era tratado como mercadoria. Logo os elementos com mais aptidão eram sistematicamente retirados do poll genético local. Durante décadas e décadas e décadas, esse factor terá que ser ponderado.
No caso da situação descrita na zona da Indonésia, os elementos dirigentes, os melhores agricultores, os melhores comerciantes foram aniquilados. Qual o impacto disso para o poll genético?
D. Antunes, sinceramente não conheço minimamente a história de Hong Kong e do Sudão, por isso não tenho bases para argumentar. Não quero estar a "inventar" argumentos para os casos que citaste.
Mas repara numa coisa. Ter sido uma colônia não coloca os países num patamar igual. Teria que ver-se caso a caso, e é isso que estou a querer argumentar. Acho muito duvidoso que alguém ao fazer o tal estudo sobre a correlação entre o QI e o desenvolvimento (ou o PIB), consiga enquadrar todos estes factores históricos, para todos os países analisados. E isso obriga-nos a ver os resultados dos estudos com bastante cautela.
A colonização dos USA ou da Austrália é totalmente diferente do processo da colonização espanhola "à la" Cortés. Os colonos americanos quase desde início começaram a operar num sistema completamente diferente daquilo que era basicamente um sistema de escravatura que ocorreu na América do Sul. Essas diferenças são essenciais e lançaram as bases para que nem dois séculos depois os USA fossem independentes e com uma democracia no terreno. Bem como com uma cultura de empreendedorismo bem enraizada. Já na América do Sul o sistema era completamente diferente. E isso lançou as bases para situações que ainda hoje vemos em acção na América do Sul (imho).
Mesmo dentro dos USA houveram tipos diferentes de colonização, e isso foi um factor de clivagem até bem dentro do séc XX ainda era visível (se é que ainda não o é), principalmente no sul dos USA.
O livro "Porque falham as nações" do Daron Acemoglu e James Robinson é muito interessante para analisar estas questões. Poderemos não concordar com tudo, mas é interessante para conhecermos factos históricos que não conhecíamos e para refletir um pouco.
Sendo justo, a maioria dos meus argumentos são baseados em exemplos retirados desse livro.