Onde divergimos é na importância dada à coisa. Para ti parece ser o 11º mandamento que Moisés tinha perdido e que é urgente e imperativo incluir na lista. Para mim trata-se de um problema de definição e organização do ensino nada do outro mundo que se pode resolver dentro do processo democrático, e até as orientações flutuarem já que valores de uma geração podem não ser os mesmos da geração dos avós ou bisavós.
Admito que a democracia se pode eventualmente desregular e levar a níveis de coerção intoleráveis para alguns. A resposta nesse caso é a revolução. Se achares que o limiar da tolerância já passou, acho que é o único caminho, já que invocar uns eventuais principios morais intemporais ou chamar burros a quem não vislumbra a tua luz só vai provocar irritação.
O problema não é a questão da coerção, mas sim a forma como uma maioria está francamente à vontade para lixar uma minoria. A maioria não se importa que quem opte pela escola privada seja penalizado. A maioria até gosta disso. A maioria gosta de tudo o que lixe o próximo e lhe retire poder de compra, por pouco justo que seja -- é a base da inveja e do sentimento de infelicidade num contexto de desigualdade ainda que materialmente se viva muito melhor.
Nesse âmbito, a democracia precisa de um contra-peso. Uma só pessoa, extraordinariamente inteligente e apenas com poder de veto (portanto não comparável a um ditador) seria talvez esse contrapeso -- evitando/vetando normas criadas especificamente para lixar minorias, como é o caso (e como foi o caso noutras instãncias muito mais aberrantes). De notar que isto não seria um presidente -- esta pessoa não poderia ser eleita por processo democrático, pois o objectivo seria controlar o processo democrático. E não poderia ser um juíz, porque um juíz só decide com base em leis criadas democraticamente. As regras para a selecção da pessoa deveriam ser fortemente tecnocráticas, num processo de selecção mecânico a partir de provas objectivas de extraordinária inteligência (em muitos campos diferentes, bem como em geral).
É claro, estar a falar destas coisas utópicas apenas significa que não acredito que o processo democrático em Portugal de alguma forma corrija os seus próprios males. O problema da livre escolha no ensino é apenas um sintoma.
-----------
Não são bem só burros, é mais outra coisa. Basicamente são pessoas beras, más. E são muitas. Mas que são algo burros é óbvio, basta ver o discurso em geral, da maior parte da população. É atroz. Nota-se que não fazem idea de como a coisa funciona, mas não deixam de ter opiniões fortes. As maiores burrices entram-lhes com facilidade na cabeça, devido a isso. Daí ser possível ter o pessoal a berrar contra monopólios dos combustíveis quando 2/3s são imposto. Ou contra agências de rating e ao mesmo tempo a dizerem que a dívida é insustentável, e por aí adiante. Ou que não querem dar dinheiro para a educação dos filhos dos ricos (quando na prática funciona exactamente ao contrário, e sem esse dinheiro ser entregue os ricos pagam a dobrar ou mais devido à progressividade dos impostos). Os exemplos são diários.
------------
Sobre a relevância da coisa.Se isto é ou não muito relevante é subjectivo. Mas podemos dizer que cada filho no ensino privado custará pelo menos
cerca de 50% do salário médio mensal em Portugal. E
isto afectará 10-15% da população nacional. Não me parece que existam muitas "issues" que tenham quantitativamente muito mais relevância do que esta. A reposição dos salários dos FPs, por exemplo, deveria envolver aí
10-15% do salário médio mensal e
igualmente 10-15% da população nacional, e foi logo resolvido. Portanto, um problema bastante inferior parece ter despoletado muito mais acção.