Artigo sobre a inversão de rendimentos (recebido correio electrónico):
Campbel Harvey, o homem que descobriu como prever recessões a partir dos juros da dívida
Só depois da crise de 2008 se começou a dar atenção ao modelo de Campbel Harvey Foto d.r.
Desde o verão que muito se tem falado sobre a ‘curva invertida’ nos juros da dívida norte-americana. O Expresso foi falar com o académico canadiano que descobriu, há mais de 30 anos, a relação daquela anomalia com as recessões nos EUA
Texto Jorge Nascimento Rodrigues
A curva invertida nos juros da dívida norte-americana fez as manchetes dos media financeiros até há bem pouco tempo. O pico do alarme com esta anomalia ocorreu no verão e agravou o pânico entre os investidores, já atemorizados com o caminho que estava a levar a guerra comercial e tecnológica entre a Casa Branca e Pequim. O temor passou porque, entretanto, em novembro, a curva desinverteu-se, e ouviu-se um suspiro coletivo de alívio.
A reação muito negativa, hoje em dia, dos investidores à curva invertida é culpa de Campbell Harvey, um académico canadiano que tirou um doutoramento em Chicago há mais de 30 anos sobre o estranho mundo dos juros da dívida pública e que atualmente é professor de Finanças na Fuqua School of Business da Universidade de Duke, em Durham, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
O economista ficou, então, apaixonado pela “beleza dos juros da dívida, que revelam a opinião dos investidores sobre o futuro”, como ele salienta em entrevista ao Expresso. “A curva das yields (dos juros da dívida no mercado) é como uma janela sobre o crescimento económico futuro. Em contraste com os indicadores económicos tradicionais que nos falam do passado”, diz Harvey, para explicar porque em 1986 se focou no estudo daquelas taxas. Então escolheu as curvas dos juros a 3 meses, porque acompanham a série de evolução trimestral do Produto Interno Bruto, e a 10 anos, a tradicional referência a longo prazo.
Faça-se um parêntesis, sobre o que é essa anomalia da curva invertida. Aquela estranha expressão da linguagem financeira quer dizer que os investidores exigem juros mais altos para adquirirem bilhetes de Tesouro com prazo muito curto face a taxas mais baixas que se dispõem a aceitar para obrigações de longo prazo. Ou seja, os juros que os Estados têm de pagar pela dívida ficam invertidos – mais altos no curto do que no longo prazos – ao contrário do que é normal. A anomalia sinaliza que os investidores anteveem a conjuntura a curto prazo com maior pessimismo e pedem mais para financiar o endividamento público.
Mentes brilhantes de Chicago duvidaram
Harvey confessa-nos que ficou surpreendido quando descobriu que aquela inversão nos juros precedia, com rigor de um relógio suíço, as quatro recessões da economia norte-americana entre 1960 e 1982.
O júri de mentes brilhantes, entre elas três futuros Prémios Nobel da Economia, que avaliou a dissertação dele na Universidade de Chicago ficou cético a princípio. O júri era presidido por Eugene Fama (que viria a ser laureado em 2013) e tinha no painel Merton H. Miller (Nobel em 1990) e Lars Peter Hansen (laureado juntamente com Fama).
“Eles, de facto, ficaram céticos. Eles julgaram, a princípio, que os resultados eram fruto de pura sorte”, diz o ‘pai’ da curva invertida. “Mas houve algumas coisas que acabaram por convencê-los”, refere-nos, para depois elencar os três argumentos que mudaram a opinião do júri: “O meu modelo era baseado solidamente na teoria económica; tinha corretamente identificado a dupla recessão na economia norte-americana no início dos anos 1980 [de janeiro a julho de 1980 e a recaída de julho de 1981 a novembro de 1982], quando outros modelos não a tinham apanhado; e o custo do meu modelo de previsão era igual ao preço do Wall Street Journal (então 25 cêntimos), quando os complicadíssimos modelos das empresas de previsão, com centenas de equações, tinham um preço de assinatura anual de mais de 10 mil dólares. Eles gostaram disto”.
Ninguém ligou ao assunto até 2008
Mas poucos na comunidade financeira ligaram ao assunto nas décadas seguintes. “Depois de 1986, a curva voltou a inverter-se por mais três vezes. E, de cada vez, seguiu-se uma recessão (1990/91; 2001; 2007/2009)”, recorda.
Nem mesmo deram atenção quando Harvey chamou a atenção para a inversão da curva em 2006 e para o sinal que os juros estavam a dar de uma recessão no horizonte. “O meu modelo previu a recessão quando a curva se inverteu em julho de 2006. Poucos se deram conta disso”, diz o académico. A recessão nos EUA começaria em dezembro de 2007 e só terminou em junho de 2009. Pelo meio houve a crise financeira.
A desatenção chegou bem alto. “A própria Reserva Federal (Fed, o banco central) decidiu ignorar a inversão e manteve a taxa diretora elevada em 5,25% [a mais elevada desde janeiro de 2001] durante os meses da inversão. Finalmente, só em setembro de 2007, começou a cortar na taxa diretora”, recorda. Um atraso tão grande, tanto mais que a Fed era presidida por Ben Bernanke, um especialista na Grande Depressão de 1929. Uma lição que Jerome Powell, o actual presidente, não esqueceu. “Desta vez, em 2019, foi diferente. A Fed atuou decisiva e rapidamente”, com três cortes, de 0,75 pontos percentuais ao todo, na taxa em julho, setembro e outubro.
De facto, a inversão voltou a ocorrer recentemente. Mais precisamente entre março e outubro nos Estados Unidos com os juros a 3 meses mais altos do que os a 10 anos (ver gráfico). “Por ora, a inversão durou apenas dois trimestres. Como foi, até agora, breve, isso aponta para um abrandamento no crescimento que poderá ser breve”, refere Harvey. “É, sem dúvida, muito diferente do que começou em julho de 2006 e acabou por ser longo. Contudo, dado o histórico, é sempre perigoso não encarar o caráter preditivo das inversões”, conclui.
Na zona euro essa anomalia não chegou a ocorrer este ano, como ainda esta semana Philip Lane, o economista-chefe do Banco Central Europeu, sublinhou numa conferência no University College em Londres. O académico irlandês mostrou a evolução da relação entre os juros médios da dívida da zona euro a 12 meses e a 10 anos. As duas curvas aproximaram-se no verão, mas acabou por não haver inversão.
Tome nota
Esta semana os três índices mais importantes do mundo nas duas bolsas de Nova Iorque fixaram novos máximos históricos, antes do feriado de Ação de Graças, o dia de perdoar ou assar o peru na Casa Branca. O Dow Jones chegou quase a 28200 pontos, o S&P 500 ultrapassou os 3150 pontos, e o Nasdaq (das tecnológicas) superou os 8700 pontos. Em Frankfurt, o índice alemão Dax, registou o seu máximo histórico a 19 de novembro. No mesmo dia, o índice CAC 40 da Bolsa de Paris, atingiu um máximo desde maio de 2007, antes do ano da crise financeira. Depois de um 2018 de perdas, os índices estão em terreno positivo por todo o mundo, com exceção das bolsas de Hanói, Jacarta e Varsóvia. O clube dos líderes nos ganhos, desde início deste ano, inclui Moscovo, Shenzhen (na China), Nova Iorque (Nasdaq) e Milão, com subidas acima de 27%. O PSI 20 regista um avanço de 9%, muito abaixo da média de 16% da zona euro e a longa distância da média mundial de 20%.