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Autor Tópico: Uma reflexão - ex-médica do S. José  (Lida 1098 vezes)

JoaoAP

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Uma reflexão - ex-médica do S. José
« em: 2016-01-03 15:51:53 »
Uma reflexão.

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      JÁ CHEGA !   
                                                   
                   
                               Rosina Andrade: Mulher, Médica, Anestesista, inteligente, sagaz, dona de um humor mordaz e acutilante, companheira de muitas e muitas horas boas e outras não tantas menos boas nos cuidados aos doentes neurocriticos e seus familiares.
                     
Na "ressaca" de uma consoada que pela primeira vez em 6 anos consecutivos pude festejar junto da família, reservo uns momentos para maçar quem quiser ler estes desabafos.
A maior parte dos meus amigos do FB conhece-me bem, porque muitos são mais do que amigos virtuais. Conhecem o meu modo de estar por vezes truculento, o espirito não alinhado e rebelde, a intolerância para o disparate e a displicência, a falta de corporativismo. Costumam resumir tudo na designação "mau feitio" . Os mais contaminados pelos eufemismos em voga dirão que tenho um baixo quociente de inteligência emocional. Não discordo do veredicto , prefiro ter mau feitio a ter mau carácter e o meu QI (não emocional) avaliado, em tempos de juventude, em 138 e 140, parece afastar-me dos níveis de debilidade e embotamento de raciocínio.
Vem tudo isto a propósito.de que sendo médica me sinto diariamente agredida, insultada e difamada pelos profissionais do "eu acho" e do "eles deviam".
Para quem me conheça menos eu apresento-me ;
médica anestesista, 57 anos, 31 de profissão dedicada nos últimos 14 anos sobretudo à Neuro-anestesia, 10 dos quais no H. de S.José.
Para esclarecimento de muitos que transformam os honorários médicos em mistérios de sociedades secretas, a minha remuneração na categoria de assistente hospitalar graduada, com exclusividade na função publica, horário de 42 horas semanais (actualmente 39, pela redução anual de 1 hora após os 55 anos) é de 4107€ (preço hora ~ 22€) dos quais receberei no fim do mês ~ 2400 € (preço hora ~ 9€). A condição contratual de exclusividade obriga-me à prestação de mais 12 horas extra semanais se a instituição hospitalar o exigir ( e exige), resultando em 53 horas semanais, das quais 24 são um período continuo. Posso ser solicitada (e pressionada) a realizar mais horas semanais . Actualmente, face à carência de recursos na área de anestesiologia, perfaço em média 70 horas semanais (39 em actividade de bloco operatório programado, o resto em urgência) e tenho 1 fim de semana por mês sem urgência, (nos meses mais compridos posso chegar à loucura de ter 2 ). Por lei poderia não realizar trabalho nocturno a partir dos 50 anos e ter isenção total de trabalho de urgência a partir dos 55. Se eu e os meus colegas do H de Faro cumprirmos a lei do trabalho à risca, a urgência cirúrgica será encerrada porque restam 3 elementos para garantir o apoio anestésico 24/24h 7 dias por semana. Em resumo com o ordenado base e as horas acrescidas, recordo - 70 horas semanais- a minha remuneração fica em - 3800€. Acima da média dos ordenados em Portugal ? Sem dúvida ! Mas 70 horas representam a soma do horário de dois médicos sem exclusividade que é de 35 h.
Portanto meus senhores os malandros dos médicos trabalham ao fim de semana, mesmo quando a lei os isenta - e também trabalham nos feriados.
Perguntam alguns porque têm os médicos que ganhar mais do os maquinistas do metro, do que os policias, do que os licenciados em geral ;
Faço um pequeno desvio para falar das forças da ordem . Os que têm como dever zelar pela nossa segurança são talvez a única categoria profissional mais odiada do que os médicos. Desprestigiados, mal remunerados, sujeitos a julgamentos e em alguns casos penas de prisão quando cumprem a missão que lhes é profissionalmente exigida. Ridículo e afrontoso que um policia tenha que pagar o próprio equipamento, surreal que se responsabilize por danos em viaturas usadas em serviço. Não há salário demasiado alto para quem arrisca a vida para que a nossa esteja segura. Existem abusos, sabemos que sim, protestamos contra a caça à multa e algumas arbitrariedades de que somos vitimas. Mas imagino como será difícil ver uma e outra vez sair pela porta da frente o marginal que horas antes detiveram, não raramente arriscando a vida, e que um juiz, de interpretação mais liberal da lei, põe e liberdade.
Vivemos numa sociedade acéfala de faz de conta, de inversão de valores, do politicamente correcto, do fundamentalismo da tolerância, dos chavões momentâneos gritados em ondas emocionais bem orquestradas, em proveito próprio, pelos bonecreiros da política.
Somos formatados para pensar o que os media querem que pensemos, sem contraditório, sem interrogação, adormecidos e embalados em conceitos pre fabricados
De uma era em que as saídas profissionais se estruturavam na adolescência, em que ser "bom aluno" nos permitia antecipar um vasto leque de escolhas, passamos para a era do "todos licenciados mas poucos com emprego" A iniciativa privada rejubilou com a possibilidade de fazer crescer universidades como cogumelos que vomitam todos os anos ufanos jovens diplomados em áreas de denominação exótica e cuja utilidade social carece de ser provada. Orgulhosos progenitores, que gastaram "uma nota preta" em mensalidades, exibem orgulhosos os filhos doutores a quem está reservado o desemprego, a emigração , o prolongar da agonia (deles e dos pais) em mestrados tão úteis quanto as licenciaturas ou, injustiça das injustiças, aceitar um trabalho abaixo do que é devido a um "licenciado".
A questão agrava-se com as licenciaturas modelo expresso, em que plantar uma árvore no dia da dita ou assistir a 3 comícios, pode dar direito a equivalência numa cadeira e com o padrinho certo, chegar até ministro ou primeiro ministro. Nivela-se por baixo no esforço, mas pretende-se nivelar por alto nos direitos.
Em Medicina não se obtêm créditos por colar pensos rápidos ou assistir a todas as temporadas do Dr. House. Prescinde-se de muitas saídas com os amigos, de muitas horas de divertimento.
Num mundo governado pelos licenciados fast banaliza-se o trabalho acrescido que implica atingir os patamares cimeiros da elite universitária. Sim ELITE, sem falsas modéstias, sem sentimentos de culpa.
Sim, sabemos o que nos espera, as horas de estudo intenso que se prolongam após a licenciatura. Sim, adoptamos o juramento de Hipocrates, de que muitos falam e poucos fora da área médica conhecem. Mas saberá quem nos diaboliza, como é morrer por dentro cada vez que temos que anunciar um desfecho trágico, saberá quem nos acusa de sermos frios e distantes, como exorcizamos os nossos demónios e os nossos medos, porque ninguém como nós entende a fragilidade da vida e o pouco que é necessário para que tudo se desmorone ? Entenderá quem tanto nos critica, como é recomeçar uma e outra vez esta luta desigual contra o fatalismo "do destino", da "sua hora" ou da "vontade de Deus" ?
Na ordem social das coisas considerava-se adequado remunerar de acordo com o contributo para o bem comum e a importância desse papel na sociedade. Hoje somos todos licenciados, mas um engraxador licenciado continuará a engraxar sapatos (e muita ciência é necessária na arte de engraxar), e um médico continuará a tratar doentes. Terão a mesma relevância social ? Terá a função de maquinista do metro, para usar uma comparação que li na imprensa, equiparação à actividade clinica ? Existe um facto muito simples que permite dar a resposta; qualquer médico em 6 meses, vá lá, um ano de treino, será um apto engraxador ou condutor de metro, o inverso é verdade?
O endeusamento de que alguns falam vem da relação amor/ódio que a sociedade sempre estabeleceu com a classe médica. Como disse no inicio sou pouco corporativa e tenho plena consciência de que na minha, como em todas as profissões, existe muita erva daninha. Cometo erros como todos. Só não os comete quem não se aproxima dos doentes. Entre erro e negligência há um diferença abissal ; cometemos um erro, quando escolhemos uma estratégia terapêutica que julgávamos a mais adequada e a evolução revelou que não era, cometemos um erro quando equacionamos mal um diagnostico ou o timing de uma intervenção. Somos negligentes quando nos estamos nas tintas para reflectir sobre uma solução diagnostica ou terapêutica e optamos pelo que nos dá menos trabalho ou melhor nos remunera. O erro não deverá ser repetido se as mesmas circunstâncias ocorrerem. Chama-se experiência e não envolve só os mais novos. A negligência deve ser severamente punida. Convém não confundir estes dois conceitos.
Neste tu cá tu lá da democracia porreiraça, temos um franja da população formada em Medicina na Anatomia de Grey, nos diagnósticos surreais do Dr. House e na pesquisa Googleniana frequente. Surgem assim os opinadores que restruturam uma e outra vez o SNS e que a darem-lhes poder acrescentariam ás leis que nos regem, uma alínea especial para a pena de morte a aplicar aos médicos.
Estranhamente não raro são elevados aos píncaros da fama, ao Olimpo dos deuses da medicina, clínicos a quem os pares não confiariam um panarício. São normalmente médicos de sorriso fácil, palmadinha nas costas, que gostam de introduzir uma nota de ansiedade acrescida antecipando diagnósticos catastróficos que "felizmente não se confirmam porque chegámos a tempo", que incutem no doente o sentimento de auto congratulação pela decisão tomada, pelo dinheiro investido, pelo acerto da escolha. São os médicos do "principio de enfarte" , do "principio de AVC"', do "principio de pneumonia", entidades patológicas desconhecias dos tratados universais de medicina mas que se perpetuam de boca em boca disseminando a fama e a simpatia do senhor doutor. São os médicos das longas prescrições e muito mais longas requisições de exames.
É diferente no SNS puro e duro, onde o sorriso se apaga ao fim de meia-hora de luta com o sistema informático que pretende modernizar hospitais com servidores que mal aguentam a instalação do Tetris. Surgem os médicos carrancudos de farda amarrotada, 2 números acima ou abaixo do normal, porque "é o que há", olharentos por privação de sono, resignados ás avarias e falta de equipamento numa gincana quotidiana para ultrapassar o "não há", não compraram" ou "já não vem mais". Que chatice ser neste antro para indigentes que são despejados os que optam pela saúde VIP dos hospitais privados, quando o plafond se esgota, as economias desapareceram e a casa já está à venda. O sorriso fácil esmorece e a palmadinha nas costas vira empurrãozinho firme. O enfarte já ultrapassou o principio e aproxima-se do fim.
Negam-nos até o podermos tratar doentes, agora tratamos "utentes" e até "clientes", nesta lógica de gestor que o hospital e o hipermercado se gerem do mesmo modo. Os resultados estão à vista.
Integrei como anestesista a equipa de neurocirurgia vascular de S.José, que só abandonei por ter mudado de hospital. Quem me conhece sabe que se necessário trabalharia de borla para salvar uma vida. Fi-lo muitas vezes noutros contextos. Tenho a certeza que todos os elementos que integravam a equipa o fariam também.
O que o publico e os potenciais doentes têm que entender é que o que ficou destruído com os cortes cegos e surdos, foi a estrutura complexa que envolve o diagnostico e a terapêutica destes doentes e que não pode ser exigido a profissionais de saúde que literalmente paguem para trabalhar como acontecia com a equipa de enfermagem. Nenhuma disponibilidade e boa vontade isoladas, poderia remendar o assunto.
A fatalidade que vitimou o jovem David era uma fatalidade anunciada. 
Em revolta, alguns de nós desejaram que tivesse atingido quem permaneceu cego e surdo aos avisos e às propostas, o Sr ministro ou o sociopata que o assessorava. Teria surgido mais cedo a solução.
Não, não somos bem pagos, pelo menos no SNS. e sim, somos uma profissão de elite. Com muito orgulho.
Um bom ano de 2016." ano de 2016."

« Última modificação: 2016-01-03 16:14:54 por JoaoAP »

jeab

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #1 em: 2016-01-03 16:51:07 »
Como tenho um QI a roçar a estupidez , nunca percebi como gente inteligente engole a história das 24H dos médicos. Claro que as minhas razões de não perceber, baseiam-se em factos simplórios, pois a dita cuja (inteligência) não dá para mais. Vejamos então - os Hospitais são comparáveis a fábricas de trabalho contínuo, que laboram 24H por 24H sem interrupção e nestas não vemos ninguém a precisar de fazer 24H para conseguir essa proeza. O que têm são trabalhadores a laborar 8 horas divididos por 3 turnos, em que normalmente são acompanhados por alguma chefia . Porque isto não é implementado nos Hospitais? Será porque os próprios médicos, "inventaram" o sistema de 24H porque tinham vantagens com isso? Todos sabíamos a bagunça que estava instalada e que se piravam nas 24H, que tinham 3 empregos, etc. etc. e que agora com os calos mais apertados, aqui dÉlRey que nos "obrigam" a trabalhar 24h seguidas. Portanto trabalhinho por turnos de 8H que acabava-se a treta já. Mas para toda a gente, médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar. Não como nas esquadras da bófia, em que o turno diurno tem 30 elementos e o nocturno 3. E depois berram que são poucos. Já agora, a talho de foice (mais apropriado ao meu QI ) cada médico após especialidade, custam ao Estado = Todos Nós Pagantes a módica quantia de cerca de meio milhão de euros. Pois bem, pela parte que me cabe, para "dar" esse dinheiro, queria um contrato assinado, em que obrigatóriamente esse futuro médico faria 10 anos no minimo de trabalho no SNS da Tugolândia, para me devolver algum desse meu dinheiro,em trabalho. Sabem uma coisa? Vão pentear macacos  >:(
« Última modificação: 2016-01-03 16:53:29 por jeab »
O Socialismo acaba quando se acaba o dinheiro - Winston Churchill

Toda a vida política portuguesa pós 25 de Abril/74 está monopolizada pelos partidos políticos, liderados por carreiristas ambiciosos, medíocres e de integridade duvidosa.
Daí provém a mediocridade nacional!
O verdadeiro homem inteligente é aquele que parece ser um idiota na frente de um idiota que parece ser inteligente!

Counter Retail Trader

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #2 em: 2016-01-03 17:33:41 »
nao percebi as contas , mas é tao bom trabalhar para o estado e reclamar.... é que no privado é se despedido por justa causa...

Democracia dizem..

kitano

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #3 em: 2016-01-03 18:17:55 »
Sobre o caso, não compreendo como um director de serviço aceita ter uma urgência neurocirurgica aberta, sabendo que não tem condições para fazer cirurgias. não compreendo como um director clinico aceita esta situação.

Havendo outras urgências neurocirurgicas abertas na área de lisboa, não entendo como um neurocirurgiao que não tem condições para tratar aquele doente, o recebe e não o transfere.

Se a questão fosse apenas economica poderia haver apenas uma urgência aberta em Lx com escala entre os varios hospitais e não 4 abertas em simultâneo.

"Como seria viver a vida que realmente quero?"

D. Antunes

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #4 em: 2016-01-03 20:21:54 »
Jeab: em parte acho que tens razão, no sentido de alguns médicos quererem concentrar essas 24h.

Por outro lado, isso também é devido ao facto de terem que fazer muitas horas extra. Um médico tem que fazer habitualmente 12h de urgência incluídas no horário semanal, mas, além dessas, ainda tem que fazer mais 24h (e muitas vezes é pressionado para aceitar ainda mais). Se fizesse só as 12h incluídas no seu horário, não trabalharia 24h seguidas nunca. Como tem que fazer 12h+12h numa semana, prefere muitas vezes juntá-las.
Qualquer profissional não tem que fazer mais de 2 ou 3 horas extra num dia. Alguns médicos podem não se importar de as fazer, mas muitos prefeririam não as fazer.

Acresce que, muitas vezes, após uma noite inteira a trabalhar é difícil ir para casa na manhã seguinte. Há doentes para ver...


Em relação aos cursos, todos nós pagamos impostos e uma das coisas que obtemos por troca é um ensino superior público para os nossos filhos. Todos sabemos que alguns desses cursos são mais caros do que outros (mas o meio milhão de euros é um mito urbano). Um curso de engenharia sai mais caro do que um curso de línguas e ninguém imagina obrigar um engenheiro a trabalhar 10 anos para o estado. Se calhar, obrigar todos a ficar seria uma boa medida para combater o envelhecimento da população. Mas teriam que ser todos obrigados. E poderiam sempre tentar fugir. Nem a ex-RDA impediu a fuga de muitos médicos/engenheiros.
« Última modificação: 2016-01-03 20:38:56 por D. Antunes »
“Price is what you pay. Value is what you get.”
“In the short run the market is a voting machine. In the long run, it’s a weighting machine."
Warren Buffett

“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm."
René Descartes

Incognitus

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #5 em: 2016-01-03 20:49:47 »
Sobre o caso, não compreendo como um director de serviço aceita ter uma urgência neurocirurgica aberta, sabendo que não tem condições para fazer cirurgias. não compreendo como um director clinico aceita esta situação.

Havendo outras urgências neurocirurgicas abertas na área de lisboa, não entendo como um neurocirurgiao que não tem condições para tratar aquele doente, o recebe e não o transfere.

Se a questão fosse apenas economica poderia haver apenas uma urgência aberta em Lx com escala entre os varios hospitais e não 4 abertas em simultâneo.

Sim, há algo mais que não está a ser contado, e dá para desconfiar que as horas de urgência devem incluir recursos que não existem (daí estar aberto sem condições).
"Nem tudo o que pode ser contado conta, e nem tudo o que conta pode ser contado.", Albert Einstein

Incognitus, www.thinkfn.com

Automek

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #6 em: 2016-01-03 20:59:42 »
Em relação aos cursos, todos nós pagamos impostos e uma das coisas que obtemos por troca é um ensino superior público para os nossos filhos. Todos sabemos que alguns desses cursos são mais caros do que outros (mas o meio milhão de euros é um mito urbano). Um curso de engenharia sai mais caro do que um curso de línguas e ninguém imagina obrigar um engenheiro a trabalhar 10 anos para o estado. Se calhar, obrigar todos a ficar seria uma boa medida para combater o envelhecimento da população. Mas teriam que ser todos obrigados. E poderiam sempre tentar fugir. Nem a ex-RDA impediu a fuga de muitos médicos/engenheiros.
A melhor coisa na alocação de recursos é haver um preço e os cursos superiores públicos não deviam ser excepção.
É verdade que a sociedade beneficia dos cursos superiores que suporta, mas o principal beneficiado é o próprio (um médico, um engenheiro, um gestor, etc) uma vez que (ainda) existe correlação entre salário e muitos cursos superiores.

Qualquer curso superior deveria ter um custo real a pagar pelo próprio e para que ninguém fique excluído por razões financeiras o estado podia proporcionar financiamento, total ou parcial, em condições vantajosas como juros zero, reembolso alargado, etc. (se o estado já hoje oferece o curso, o dinheiro para isto não seria problema).

O próprio pode depois reembolsar o estado quando começarem a trabalhar (ou trabalhar para o estado, como o caso dos médicos). No fundo já é o que fazem na força aérea e não vejo ninguém a barafustar por isso. Mesmo algumas empresas, quando oferecem MBAs aos trabalhadores, colocam cláusulas de X anos de trabalho ou reembolso do valor do mesmo.

Isto tinha a vantagem de eliminar/reduzir cursos que só geram desemprego porque antes de ir para a universidade, só para ser Doutor, o pessoal já começava a pensar duas vezes.

Tridion

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #7 em: 2016-01-03 21:01:57 »
Sobre o caso, não compreendo como um director de serviço aceita ter uma urgência neurocirurgica aberta, sabendo que não tem condições para fazer cirurgias. não compreendo como um director clinico aceita esta situação.

Havendo outras urgências neurocirurgicas abertas na área de lisboa, não entendo como um neurocirurgiao que não tem condições para tratar aquele doente, o recebe e não o transfere.

Se a questão fosse apenas economica poderia haver apenas uma urgência aberta em Lx com escala entre os varios hospitais e não 4 abertas em simultâneo.

Exacto, parece muito mais falta de organização do que falta de recursos.
______________________________________
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D. Antunes

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #8 em: 2016-01-03 21:05:50 »
Em relação aos cursos, todos nós pagamos impostos e uma das coisas que obtemos por troca é um ensino superior público para os nossos filhos. Todos sabemos que alguns desses cursos são mais caros do que outros (mas o meio milhão de euros é um mito urbano). Um curso de engenharia sai mais caro do que um curso de línguas e ninguém imagina obrigar um engenheiro a trabalhar 10 anos para o estado. Se calhar, obrigar todos a ficar seria uma boa medida para combater o envelhecimento da população. Mas teriam que ser todos obrigados. E poderiam sempre tentar fugir. Nem a ex-RDA impediu a fuga de muitos médicos/engenheiros.
A melhor coisa na alocação de recursos é haver um preço e os cursos superiores públicos não deviam ser excepção.
É verdade que a sociedade beneficia dos cursos superiores que suporta, mas o principal beneficiado é o próprio (um médico, um engenheiro, um gestor, etc) uma vez que (ainda) existe correlação entre salário e muitos cursos superiores.

Qualquer curso superior deveria ter um custo real a pagar pelo próprio e para que ninguém fique excluído por razões financeiras o estado podia proporcionar financiamento, total ou parcial, em condições vantajosas como juros zero, reembolso alargado, etc. (se o estado já hoje oferece o curso, o dinheiro para isto não seria problema).

O próprio pode depois reembolsar o estado quando começarem a trabalhar (ou trabalhar para o estado, como o caso dos médicos). No fundo já é o que fazem na força aérea e não vejo ninguém a barafustar por isso. Mesmo algumas empresas, quando oferecem MBAs aos trabalhadores, colocam cláusulas de X anos de trabalho ou reembolso do valor do mesmo.

Isto tinha a vantagem de eliminar/reduzir cursos que só geram desemprego porque antes de ir para a universidade, só para ser Doutor, o pessoal já começava a pensar duas vezes.

Penso que seria justo que todos os universitários pagassem uma % maior do custo dos seus cursos nas universidades públicas. Ajudados por um sistema de empréstimos.

Em relação a desincentivar a escolha de cursos que geram frequentemente desemprego, seria útil sim, pelo menos até o BE se lembrasse que os coitadinhos dos licenciados desempregados não podem pagar o empréstimo e que este teria que ser perdoado.
« Última modificação: 2016-01-03 21:11:59 por D. Antunes »
“Price is what you pay. Value is what you get.”
“In the short run the market is a voting machine. In the long run, it’s a weighting machine."
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“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm."
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JoaoAP

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #9 em: 2016-01-04 20:26:37 »
Quem falhou...???

A Entidade Reguladora da Saúde deu indicações, em Julho, ao S. José para transferir os doentes já que não havia enfermeiros na equipa (se ouvi bem)... - agora mesmo nas notícias.

JoaoAP

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Re: Uma reflexão - ex-médica do S. José
« Responder #10 em: 2016-01-11 22:57:26 »
Outro médico... na sequência do problema em S. José:
Desabafo de um jovem médico torna-se viral
VISÃO

A parte principal:
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LEIA AQUI O POST NA INTEGRA

"Estou desmotivado… mais! Estou revoltado!
Porquê? Tentando fugir a toda e qualquer subjetividade, vou-me restringir a factos (sem respeitar um acordo ortográfico que assassina a minha língua materna):

1. Tenho 38 anos, sou Médico há 15 anos. Possuo uma especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica. Gosto do que faço!

2. Recebo menos de metade de quando acabei a especialidade há 8 anos. É um facto. Para receber o meu ordenado base limpo tenho de acrescentar em média 100 horas extras por mês. Trabalho assim 65 horas por semana a uma média de 9 euros por hora. É um facto.

3. Este ano estive de serviço no dia de Natal, o ano passado fiz o 31 de Dezembro. É um facto. Nesse dia de Natal fui insultado pelo familiar de um doente que não concordou com o horário da visita do meu serviço. É um facto. Tenho um filho com 5 anos e não tenho dinheiro para pagar o infantário a um segundo que não tenho. É um facto.

4. Pertenço à minoria de Portugueses que paga impostos, e como sou considerado rico o meu filho paga mais na creche que muitos outros… pelo mesmo serviço, porque não come mais, nem come antes. É um facto.

5. Todos os dias tenho de tomar decisões clínicas que determinam a vida e a morte de pessoas ao meu cuidado. É um facto. Hemorragias aneurismáticas, como as do mediático caso do David, são apenas um exemplo das situações que eu e os meus colegas temos de tratar o melhor que sabemos e podemos. É um facto.

6. Mesmo sendo médico limito-me a comentar profissionalmente situações que são da minha área de diferenciação. A Medicina é tão vasta que se comentar situações ou acontecimentos de outras áreas sei que vai sair asneira. É um facto.

7. Vivo num País em que quem comenta o penalti e o fora de jogo acha que sabe o suficiente para ditar o certo e o errado naquilo que faço todos os dias. Em que aqueles técnicos de ideias gerais, a quem chamamos jornalistas, e os seus amigos comentadores profissionais, se sentem à vontade para “cagar lérias” sobre aquilo que desconhecem e não têm capacidade técnica para apreciar. É um facto. Por mais de 9 euros à hora… Julgo eu, porque nunca me mostraram o recibo de vencimento!

8. Trabalho num serviço de saúde onde tenho de improvisar a toda a hora porque o fármaco x e y “não há” (Ups… estamos proibidos de dizer que não há!). É um facto. Onde temos vários ventiladores de 30 mil euros avariados (um deles há mais de 1 ano!) porque “ninguém” pagou a manutenção. É um facto. Eu levo o meu carro à revisão todos os anos e pago. É um facto.

9. No dia em que o que me pagarem para ir trabalhar não for o suficiente para a despesa da gasolina e do estacionamento ( como concerta acontece com algumas equipas de prevenção específicas do SNS), não o farei. É um facto. Isso não retira qualquer valor ao juramento de Hipócrates, nem a Lei obriga (ainda!) ao trabalho escravo. É um facto.

10. Se eu estiver doente e precisar de assistência prestada pelos meus colegas no SNS tenho de pagar taxa moderadora, ao contrário de muitos outros… É um facto. E se andar de comboio, como não sou trabalhador da CP também pago. É um facto.

11. Eu e os meus colegas trabalhamos mais doentes que muitos doentes que são vistos no serviço de urgência. É um facto. Vivo numa região em que qualquer dor de dentes, grão no olho ou escaldão da praia vai para a urgência do hospital numa ambulância de emergência médica. Muitas vezes com a família no carro imediatamente atrás da ambulância. E sem pagar um tostão. É um facto.

12. No hospital em que trabalho existem mais de 100 camas de agudos ocupadas com as chamadas “altas problemáticas”. Situação que se arrasta há vários anos e legislaturas e cuja resolução (política) escapa aos mais dotados. É um facto.

13. Vivo numa região em que se gastam muitos milhões em fogo de artifício e marinas abandonadas, sem existir contudo dinheiro para um monitor e um ventilador de transporte para a sala de emergência de um hospital dito central e centro de trauma certificado. É um facto.

14. A descoberta das vacinas constitui um dos maiores avanços da Medicina do século XX e a implementação de um plano de vacinação global para a população é um marco histórico de qualquer civilização, contribuindo para a redução da mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. É um facto. Vivo num país que já não consegue garantir uma cobertura vacinal completa e atempada às sua crianças. Um retrocesso de gerações… um sistema podre e decadente. Não vejo os noticiários abrirem com esta notícia. É um facto. O meu filho não fez a vacina da difteria, tétano e tosse convulsa aos 5 anos. Não há… Talvez para o ano. É um facto.

15. E por tudo isto estou revoltado… É um facto.


Funchal, penúltimo dia de 2015.
Ricardo Duarte. Cédula da Ordem dos Médicos 41436"