Uma história em que se vê o perigo que é uma mulher descontente e aquilo de que um homem é capaz (habitualmente os homens não se conseguem safar tão bem):
A mulher do espião espanhol que quase abortou o Dia D
Araceli González ameaçou ir à embaixada espanhola em Londres, em 1943, revelar que o marido era agente duplo do MI5 e de Hitler. Se o tivesse feito, nazis descobririam que estavam a ser enganados sobre o tão falado desembarque na Normandia
Juan Pujol García foi, de acordo com o historiador britânico Christopher Andrew, "o agente duplo mais importante da Segunda Guerra Mundial e talvez de todo o século XX". Trabalhou em simultâneo para os britânicos e para o regime nazi, tendo sido condecorado por ambos. Fintou o regime de Hitler, enganando-o sobre a data e o lugar do desembarque aliado que viria a acontecer a 6 de junho de 1944 nas praias da Normandia. Natural de Barcelona, o catalão logrou convencer os nazis de que as informações sobre a Normandia "eram manobra de distração" e que uma tal operação iria antes acontecer no Pas-de-Calais (no Norte de França). Esta é a parte da história que já era mais ou menos conhecida. Aquilo que só agora se soube é que o desembarque na Normandia, que ficou para a história como o Dia D, esteve em perigo. E tudo por causa de uma discussão conjugal entre o agente duplo e a mulher, Araceli González.
Segundo documentos ontem desclassificados pelos Arquivos Nacionais britânicos, em Kew, Araceli ameaçou ir à embaixada espanhola em Londres no dia 21 de junho de 1943 e contar que o marido era um agente duplo ao serviço do MI5 e de Hitler. A família vivia em Harrow, perto da capital britânica, mas por questões de segurança Araceli e os filhos quase não podiam sair, permanecendo fechados em casa e sempre sob vigilância. A partir de Harrow, Juan Pujol liderava uma rede de espiões alemães que era meramente fictícia: o catalão começara a enganar os alemães com informações falsas sobre os britânicos que enviava a partir de Lisboa (a capital portuguesa foi no passado um importante centro para a espionagem internacional). Para os britânicos, ele era o espião Garbo, para os nazis era Alaric.
"Não quero viver nem mais cinco minutos com o meu marido", disse Araceli a Tomas Harris, agente responsável por vigiar Juan Pujol no MI5, revelam os documentos que foram agora divulgados. "Nem que me matem, eu vou à embaixada", disse ela, que queria voltar para junto da família em Espanha. Vendo o Dia D em perigo, Juan enganou a mulher dizendo que fora despedido e preso pelo MI5 devido às ameaças dela. Como parte da encenação, agentes britânicos levaram Araceli a visitar o marido, detido, fazendo-a recuar nas suas ameaças. Nos documentos desclassificados, Harris realça o engenho de Juan Pujol "que permitiu salvar uma situação que de outra maneira teria sido intolerável". Mas esta não foi a única vez que Araceli foi enganada pelo marido: em 1949 ele encenou a sua morte por malária em Angola, tendo ido viver para a Venezuela. Aí, voltou a casar, com Carmen Cilia, com quem teve mais dois filhos. Morreu (desta vez de verdade) em Caracas, em 1988, aos 74 anos.