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Um interessante texto de André Dias, PhD, publicado no Facebook em 19.9.2024:
«A explicação coerente do problema do fogo em Portugal.
Portugal, em especial a faixa atlantica norte, assenta num clima muito particular no mundo. A influência da corrente do golfo numa latitude média.
A produtividade primária, a produtividade de materia organica e combustivel, é altissima na faixa atlantica norte, como se ve no primeiro boneco. O verde e azul indicam areas de ritmo de crescimento das plantas atlissimo. O inverno é ameno e humido, sem temperaturas abaixo de zero durante mais que uns dias. O verão é muito quente mas ainda com alguma humidade. O ideal para qualquer planta, como todos os jardineiros bem sabem.
Os fogos rurais consomem apenas combustivel com menos de 6mm. Folhas, ramos, cascas mas acima de tudo MATO. Os troncos e ramos maiores das arvores ficam após o fogo. Não é um fogo de lareira, é um fogo rápido.
Esses combustiveis são produzidos na esmagadora maioria pelos matos, não pelas árvores.
A espécie arborea que está no terreno é portanto genericamente irrelevante.
Portugal foi desde há mais de 5 mil anos um território de pastores. Viriato diz a lenda que era pastor, não era lenhador. Todas as referencias históricas e mitológicas indicam isso mesmo.
O fogo sempre fez parte do clima mediterranico e atlantico (faz parte de todo o planeta, mas pronto). Sempre foi uma ferramenta.
No inicio do século XX apareceu o reactor Haber-Bosch (boneco 2)
Deste reactor saem toneladas de amónia, o fertilizante mais usado no mundo e em Portugal. Depois de alguns dias estão no supermercado em fruta, vegetais e tudo o resto.
Este é o grande culpado dos fogos destrutivos. Querem lutar contra moinhos de vento? encontrem o reactor Haber-bosch perto de vos e lancem-se com os vossos Rocinantes contra eles.
A amónia tirou todo o valor ao mato, ao combustivel dos fogos. Até ao primeiro destes reactores só havia uma forma pratica de fertilizar:
- Roçar mato em quantidades absurdas, carregar até ao curral dos animais, deixar durante dias, semanas ou meses a ser calcado e cagado pelos animais, voltar a carregar, colocar em montes e deixar compostar até se transformar em amónia.
Para cada hectar de alimento - milho em portugal - era preciso roçar 8 hectares de mato, um emprego a tempo inteiro.
Hoje basta ir a loja e comprar 100kg de amónia.
O busilis central do problema está aqui, nestes dois factores:
Produtividade primária elevada e perda de valor do mato como fertilizante.
Adicionalmente perdeu-se o valor como lenha e desapareceu o pastoreio - mas são factores secundários.
Não há criminalidade organizada no fogo. A área ardida por fogo intencional é residual, 10%. E todo o fogo intencional tem motivos fúteis.
Em 200 000 fogos investigados desde 1980 só houve suspeita económica em 16. Investigados pela guarda florestal, GNR, PJ, uma infinidade de profissionais. Nunca se encontrou nada.
Seria a criminalidade mais organizada do mundo, melhor que os carteis de droga que ganham milhares de milhões. Organizados para escapar a décadas de investigação policial, mas para ganhar uma centena de euros em madeira queimada que ninguém quer nem serve para fazer papel. Para ir fazer prospeção de litio que nunca irá explorar.
Criminosos que se iam meter "em sitios onde não passa ninguém" "à noite" para chegar fogo em sitios remotos para arriscar serem apanhados pelo proprio fogo, quando bastaria lançar um fosforo à beira da estrada.
E sim, todos os fogos intencionais são sempre à beira da estrada. São pessoas que o fazem por motivos futeis imediatos.
Apenas 15% dos fogos são postos, de intencional.
75% são acidentes e negligência, não intencional e IMPOSSÍVEL de suprimir.
90% da área ardida é resultado de 1% dos fogos (como se vê este ano). Só os acidentes (linha eléctrica) são mais que suficientes para arder exactamente o mesmo.
O número de fogos caiu quase 50% desde 1990, a área ardida triplicou.
Não interessa nada como e onde começa. O 1% que nunca conseguiremos suprimir (como não suprimimos vírus) será sempre mortal.
Os fogos dos ultimos dias eram previsiveis e sabe-se pefeitamente porque: vento de leste.
Já na semanada passada eu tinha partilhado alertas cristalinos a pedir a supressão do uso de fogo. O risco ia disparar de forma dantesca (boneco 3). O vento seco vindo da meseta ibérica, por estes dias é um gigantesco "deserto", torna todos os combustiveis que temos aos milhoes de toneladas um barril de polvora.
Como saimos daqui?
Com ciencia e olhando para os antepassados e o que faziam na sua vida de pastoreio. Olhando para os vizinhos e quem já resolveu isto.
Em dias como segunda e terça um fogo consegue ultrapassar os 300kw /m, o limite em que a água deixa de conseguir apagar (porque evapora antes de absorver energia suficiente a apagar), em menos de 10 minutos.
O grande erro do "combate" em Portugal é esse: está todo feito para o combate incial - é bom nisso, ninguém o nega - mas é um desastre colossal quando falha. como se vê hoje o resultado é que cada vez arde mais em fogos cada vez maiores.
A estratégia assente no ataque inicial dos 20m leva ao paradoxo do fogo: apaga-se tudo no inciio, mesmo o que não tem perigo (as queimadas de pastores e de limpeza).
Acumula o combustivel de forma continua. Quando falha uma vez, e falhará sempre uma vez, resulta em 500 000 ha ardidos.
Esse é o ponto essencial que temos que mudar. Temos de perceber que falhará sempre o ataque inicial e que é fundamental ter uma paisagem capaz de aguentar o passo seguinte: gestão de fogo.
É preciso ter equipas de sapadores que conhecem o terreno bem, que fizeram queimadas fogos controlados na primavera para haver areas chave com pouca progressão onde os fogos dominantes chegam e se consegue ai gerir a sua progressão para não causar dano. É preciso saber simular fogo para saber onde vai estar daqui a 4 horas e nessas 4 horas montar maquinas de rasto e linhas de defesa ou contra fogo estruturado para o parar
A galiza já aprendeu isso (boneco 4). Nós ou aprendemos ou morremos.
Não é dificil, mas dá muito trabalho
Está tudo mais que sabido, mais que estudado e proposto a quem tem poder.»