Agora que as Legislativas são já águas passadas (eheh), as Presidenciais afiguram-se como a "next big thing" no panôrama político português (*).
Hoje foi o dia em que o nome de Marisa Matias apareceu na Comunicação Social como a provável candidata do Bloco de Esquerda. Não deixa de ser interessante que seja mais uma "mulher de força" a vir à ribalta cpmo representante desta força partidária, seguindo uma estratégia recente em que um conjunto de "power puff girls", à conta de charme, sorrisos, e K.O.s aos adversários nos debates, levaram o Bloco a um resultado histórico nas Legislativas.
É certo que Marisa Matias não sairá vencedora nas eleições, mas também é certo que não é propriamente um nome só para fazer figura de corpo presente, ou para ganhar direito a tempo de antena. O mediatismo destas eleições catapultará esta senhora para uma posição pública que até agora não tem---mais ainda se o Bloco souber aproveitar bem o estado-de-graça em que se encontra e a dominância (quase) absoluta do seu lado feminino. E quem sabe até disputar votos com Maria de Belém?
O nosso próximo Presidente da República vai ser o Professor Marcelo Rebelo de Sousa (alguém tem dúvidas? que exponha argumentos!). Carregado ao colo pela participação imaculada, de extremo alcance popular, no programa semanal da TVI, poupado ao desgaste da vida política activa, e detentor comprovado de uma série de competência e qualidades específicas para desempenhar o cargo, não tem adversários à altura. Nem de entre os que já são candidatos (Quem és tu, Sampaio da Nóvoa?), nem de entre os que se afiguram como possíveis para avançar.
Para não pensarem que estou a fazer campanha pelo ilustre, deixo aqui um artigo de opinião que fala precisamente no "endeusamento artificial" a que esteve sujeito pela via do programa da TVI, e do "jeitinho" que tem para escolher as palavras certas---milimetricamente---nos momentos certos.
António Guerreiro escreve no Público (
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/marcelo-responde-a-chamada-1710971?frm=opi):
Marcelo responde à chamada
Uma palavra mágica fixa o centro para onde é atraído todo o discurso com que Marcelo Rebelo de Sousa se apresentou como candidato à presidência da República. Essa palavra é “vocação”. “Professor na universidade”, disse ele no início, “foi e é a vocação da minha vida”; candidatar-se a Presidente, disse ele no fim, é responder a uma “chamada” e prestar contas a uma instância soberana que decide sobre a “dívida moral” e sobre o momento em que esta deve ser paga. “É tempo de pagar esta dívida moral”, afirmou o candidato em terras de Celorico de Basto, onde as dívidas e a moral soam muito mais alto do que na capital do vício. E onde se pode reactivar um encantamento que anula esta lei da sociedade moderna: quanto mais a política está em baixo, mais a moral fica por cima.
A “vocação” do professor e a “chamada” a que respondeu porque estava em situação de escuta significam a mesma coisa: trata-se de uma escolha electiva e espiritual que, na sua versão laica, remete para uma doutrina da predestinação e, na versão religiosa, diz-se que é por vontade de Deus. Muitos são os políticos de profissão sem vocação, mas raríssimos são os políticos como este: dotado de um pneuma profético, ele transfigura o seu métier em vocação interior. E, coisa ainda mais rara, traz a essas qualidades mágicas a consistência da autoridade professoral. Lendo os artigos embevecidos que o seu discurso vocacional – de resposta a uma “chamada” – suscitou (até em sítios onde se cultiva a sobriedade), percebemos que essa magia consiste numje ne sais quoi, num dom para exercer uma forma de dominação por meio daquilo a que se chama carisma. Marcelo Rebelo de Sousa não é apenas um caso especial de vocação; é também um fenómeno carismático. Como a noção de vocação a que faço referência é a que foi introduzida por Max Weber no seu livro sobre a ética protestante e depois prolongada numa famosa conferência de 1919, intitulada precisamente A Política como Vocação (como Beruf, que também significa “profissão”), e na medida em que é também a um conceito de Weber que recorro – o de carisma – para tentar perceber o efeito mágico produzido pelo nosso grande teólogo do comentário político (da espécie fútil e daninha do comentário, diria um ateu), poderei dizer de Marcelo Rebelo de Sousa que ele é um fenómeno weberiano total. Ciente dos seus dons naturais e confirmando o carácter genuíno e verdadeiro da sua vocação, disse ele no início do seu discurso que tinha “sido tocado” e tocara “a vida de milhares de alunos e de alunas”. Tocar e ser tocado significa despertar a parte irracional das afecções humanas. É o lado mágico do carisma. Como é fácil depreender deste texto, nunca me senti tocado pelo efeito mágico do seu carisma. Mas isso não quer dizer que duvide dele, tanto mais que sigo esta lição de Max Weber: a questão de saber se a crença no carisma de um indivíduo é legítima ou não é uma questão que a sociologia não coloca. O que importa perceber é como o carisma é produzido, e para isso é preciso olhar para os que acreditam nele, já que ele só existe na medida em que é exposto e olhado como tal. Neste caso, esse olhar do crente, submetido ao domínio carismático, foi um espectáculo televisivo dominical, celebrado como oração vespertina. Os jornalistas que o recebiam e faziam de interlocutores exibiam sempre um ar extasiado e devoto perante as palavras e a voz do “professor”. Todos cumpriram a mesma missão: sublinhar, perante os espectadores, a relação carismática. Quem experimentou durante tanto tempo esta magia da dominação sente-se agora “chamado”. Quem o chama?
(*) Se excluirmos a libertação do Eng. Sócrates, evidentemente.