«Tudo o que pertence ao universo,
seja partÃcula ou galáxia,
seja um animal ou um calhau,
tem, por convenção,
uma existência própria,
todo o objecto é.
Mas seja ele o que for,
a sua definição é arbitrária.
Este calhau ou aquela galáxia,
só através do olhar do observador
adquirem o estatuto de um ser individualizado;
é o observador que, ao traçar a fronteira do que pertence ao objecto,
lhe confere uma singularidade. Para ser objecto do universo,
tem de ser objecto de discurso de um observador
[
possÃvel, acrescento eu].
Claro que o homem não é o único observador;
os animais dotados de visão vêem, todas as manhãs,
tal como o homem, a mancha brilhante que sobe no céu;
mas só o homem é capaz de ir além dessa constatação
e de transformar essa mancha em objecto – o Sol.
Essa estrela, como todas as estrelas,
é uma criação do discurso humano.
Sem o homem, o universo não passaria de um continuum sem estrutura.
[
Discordo aqui; é suficiente que o universo seja compatÃvel com observadores inteligentes.]
Qualquer ser humano pode focalizar sobre si mesmo este olhar criador de objectos.
Ao focalizar-se, ele já não é só um existente, mas alguém que sabe que existe,
alguém que transforma a sua pessoa em objecto do seu discurso.
É isso a consciência. Uma experiência que nos permite
saber-nos existentes.»
Albert Jacquard, com a participação de Huguette Planès,
Pequeno manual de filosofia para uso dos não-filósofos,
Terramar, Lisboa, 1997; p. 27