O povo tem a ideia geral do tipo de sociedade que quer, supostamente, e vota consoante isso. Totalmente diferente de participar directamente nas milhões de decisões em casos específicos que envolvem conhecimentos que os cidadãos todos não têm nem têm que ter na totalidade, não é suposto. Uma coisa é votar em querer que o Estado garanta saúde pública ou não garanta, outra é votar em referendo se é preciso comprar uma máquina de TAC nova para o Hospital de São José.
O povo não toma melhores nem piores decisões, se tiver de consumir cultura sozinho, do que toma quando compra alimentação, telemóveis, automóveis, férias e uma série de outras coisas em que o estado não se mete (e, por vezes, até um nível de complexidade igualmente elevado). A pessoa pesquisa, informa-se e toma a sua decisão. Muitas vezes "errada", claro.
Achar que tem de ser o estado a escolher cultura pelo povo, para este não escolher "mal", é como se lhe tirássemos dinheiro todos os meses, via impostos, para ter as férias "correctas" ou a alimentação "correcta", subsidiadas pelo estado.
Penso que não percebeste o meu comentário. Vocês adoram extrapolar os termos "coerção" e "subsídio", mas o próprio povo vota em programas eleitorais, e nesses programas está lá escrito que a cultura, e outras coisas, são sustentadas por um certo grau de carga fiscal. Todos sabemos que nem tudo o que lá está escrito é cumprido, mas a ideia geral do que deve ser financiado pelo Estado e o que não deve, segundo um certo partido, está lá escrito e é cumprido em geral. Se o povo se sentisse roubado pelo Estado em relação aos gastos na cultura, já tinha surgido e vencido um partido que defendesse o corte dos impostos e consequente corte no apoio à cultura. Ou aqui a lógica do mercado já não se aplica? As pessoas em geral têm noção que não têm os conhecimentos suficientes do assunto e preferem pagar uns euros de impostos para o que Estado lhes garanta uma oferta diversificada, dentro da qual eles possam depois escolher com verdadeira liberdade e não condicionados aos gostos da maioria. E quando escolhem, em geral pagam por essa escolha também, a cultura não é gratuita ao público em Portugal. O Estado garante uma oferta, a procura é originada pelo mercado (pessoas livres de escolha). E a verdade é que a maioria dos eleitores vota em partidos que defendem cultura em certo modo apoiada pelo Estado, pelos seus impostos, provavelmente porque sabem que a minúscula parte dos seus impostos que vai para a cultura é justificada pelos ganhos proporcionados a nível de sanidade social. Senão, visto que o mercado é perfeito, já tinha surgido a oferta a nível partidário que preenchesse a lacuna que a maioria quer: um partido que não defenda o apoio público à cultura. E quem fala em cultura, fala em muitas coisas coisas que vocês, neo-liberais, defendem.