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Autor Tópico: Um conto Lusitano  (Lida 2353 vezes)

Tranquilo

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Um conto Lusitano
« em: 2012-10-10 12:41:51 »
Um conto lusitano

A Dona Engrácia

Vou-vos contar a história do Zé.
O Zé vive algures numa grande cidade em Portugal e como em tantas outras famílias tem casa, carro, mulher e dois filhos.
Habitualmente passava férias nas Caraíbas, mas ultimamente tem ido para o Algarve para casa de uns amigos.
E porquê? porque o Zé fez contas.
E as contas do Zé eram mais ou menos assim:
Lá em casa entrava pelos ordenados do casal 2.000 Euro, mas os gastos eram:
100€ para pagar os empréstimos da casa e do carro;
1.600€ para a senhora da limpeza;
500€ para as despesas correntes de comida, agua, luz, gás, gasolina, etc.
Fizeram contas e que raio. Andavam a gastar mais do que recebiam por mês.
E quanto mais? Duzentos Euro! 200!
Mas como? Em vez de sobrar, ainda falta. E de onde vem o dinheiro?
Em conselho familiar foram analisar a situação e chegaram à conclusão que os duzentos que faltavam por mês, vinha dos créditos bancários e dos cartões de crédito. Já tinham vários.
Deviam ao banco mais de 25.000 Euro.
Bom, mas o que mais lhes chamou a atenção foram os 1.600 Euro para a senhora da limpeza, a Dona Engrácia.
Será que não podemos prescindir da Dona Engrácia perguntou o Zé?
Nem pensar, disse a Maria, e quem nos limpa a casa? e quem toma conta das crianças?
Realmente a Dona Engrácia era muito versada, pois ela tomava conta da casa durante o dia, fazia justiça entre os meninos quando havia algum desentendimento, tomava conta de algum de nós quando estávamos doentes, ajudava as crianças nos trabalhos da escola, mantinha a casa em condições de habitabilidade, fazia a comida, lavava e passava a roupa, e muitos outros incomensuráveis trabalhos e tudo isto era uma tarefa a tempo inteiro.
35 horas por semana! era duro.
Vamos pensar noutra solução, aqui não dá para cortar, disse o Zé.
Nos 100 Euro dos empréstimos é que nem pensar, senão o banco tira-nos a casa e depois para onde vamos viver?
E o carro? como nos deslocamos para o trabalho?
Trabalho duro o do Zé e da Maria pois trabalhavam oficialmente 40 horas por semana, e digo oficialmente porque era perigoso afirmar que por vezes eram mais de 50 horas por semana, sem que isso pudesse ter algum tipo de problema perante as autoridades, ainda por cima sem receberem horas extraordinárias.
Era assim a vida no privado.
E se deixarmos de pagar, como nos continuam a emprestar os 200 Euro por mês de que precisamos?!
Bom aqui também não se pode cortar.
E as despesas correntes? não vale a pena pensar nisso, pois temos que comer e viver.
Aí não dá mesmo!
Já havíamos cortado nos últimos anos nas viagens de férias.
E agora?
Só se conseguirmos ganhar mais. Ter um trabalho extra. São só mais 200 Euro.
Vender qualquer coisa. Agora fala-se muito em vender para o estrangeiro. Qualquer coisa, sei lá...
Queijo, azeite, pastéis de nata...
Depois de muito pensar, chegaram à conclusão que também não dava, pois era preciso tempo e isso já eles não tinham. Só não dormindo.
Se pudéssemos lançar um imposto sobre o vizinho. Isso é que era.
Taxávamos-lhe a casa, ou o salário (ele ganha tanto, só ele ganha 2.500 Euro fora o da mulher).
Isso é que não pode mesmo ser, não temos essa possibilidade, não somos o Estado!
O Zé andava mesmo abananado a dar voltas ao miolo, não dormia bem, acordava a meio da noite.
Numa noite lembrou-se: e se eu assaltasse o vizinho? não devia ser difícil arranjar o que faltava por mês. Havia tantos vizinhos.
NÃO, isso é que não. O Zé no fundo era boa pessoa e queria mesmo arranjar uma solução duradoura e não queria problemas com a polícia.
Muito meditou o Zé e a família.
Muitas discussões, mas a muito custo lá chegaram a uma conclusão.
Havia que baixar o que pagavam à senhora da limpeza, não havia outra alternativa.
Se ficassem sem a casa, a Dona Engrácia ficava desempregada.
Se não comessem, nem vivessem, a Dona Engrácia ficava desempregada.
Pesarosamente o Zé e a Maria lá foram falar com a senhora.
Explicaram a situação o melhor que puderam e lá lhe disseram que provisoriamente até a arranjar outra solução, só lhe podiam pagar 1.400 Euro.
Sabiam que ela fazia muita falta, mas não podia ser de outra maneira.
A Dona Engrácia não achou graça nenhuma, chamou todos os nomes de que se lembrou ao Zé, que ele era um explorador, que ela suava cada uma das 35 horas que fazia e que iria para a greve.
A senhora, inteligente e perspicaz como era, chegou rapidamente à conclusão que de cada vez que fazia greve, recebia menos.
Vivia pior. Ainda pensou em abandonar a casa do Zé e emigrar.
Mas não era fácil arranjar trabalho com as condições da casa do Zé.
A Dona Engrácia lá se resignou, não sem antes muito rezingar.
E continuou a haver Vida na casa do Zé.


Tranquilo, em Setembro 2012
« Última modificação: 2012-10-18 14:07:16 por Tranquilo »
A Bolsa ou a Vida !? A Vida porque a Bolsa faz-me falta...

Tranquilo

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Um conto Lusitano - O meu amigo Costa
« Responder #1 em: 2012-10-18 14:00:15 »
Um conto lusitano

O meu amigo Costa

Vou-vos contar a história do meu amigo Costa.
O Costa vive em Portugal, mas tem a residência oficial aqui ao lado em Espanha.
O Costa tem destas coisas. Vá-se lá saber porquê, é um tipo estranho, mas é um tipo muito bem formado e com um carácter sem igual.
Conheço o Costa de longa data e por vezes vamos almoçar aos ‘bifes’, ali para os lados da Parede.
Um destes dias, como já não o via há algum tempo, desafiei-o para mais um dos nossos almoços.
O Costa sempre foi um aluno mediano, para o bom, e nunca chumbou nenhum ano na escola, nem na faculdade.
O Costa foi estudante, licenciou-se em engenharia, foi trabalhador estudante durante a faculdade e fez uma pós graduação em gestão, em prestigiosa universidade católica.
Foi trabalhar para uma grande empresa privada, mas não ficou por lá muito tempo. Aquilo não era bem para ele. Foi trabalhar para uma pequena empresa, onde se dedicou e chegou ao topo.
A empresa atravessou várias fases, cresceu, chegou a empregar mais de uma dezena de pessoas, encolheu, mas lá se foi aguentando, sempre gerida de forma muito conservadora. O Costa não dava passada maior do que a perna.
Nas grandes empresas ser um bom gestor é fácil, mas é nas pequenas empresas que se vê a qualidade e a fibra do gestor. Para uma pequena empresa conseguir navegar, é necessário que o gestor seja excepcional, muito bom mesmo.
O Costa sempre muito trabalhador e empenhado, tecnicamente muito competente, é um daqueles empresários que os nossos políticos tanto mimam. Até o Presidente da República fala destes Homens, aquele tipo de pessoa que cria e dá emprego e que gera riqueza, modesta, claro a dimensão não é grande, mas gera riqueza.
Homem habituado ao mundo, quer pelas viagens (o que ele gosta de viajar!), quer pelo fazer do mundo dos negócios.
Por tudo isto, muito me intrigou o Costa viver em Portugal, ali para a Costa da Guia em Cascais, mas ter residência em Espanha.
Por entre duas imperiais, uns tremoços e o famoso bife, lá lhe fui perguntando: Ó Costa mas o que é que tu fazes agora? Nada!
Nada?! Fiquei perplexo. Como nada?
Nada! Bom, sempre vou viajando, lendo muito e tomando conta do que entesourei.
O Costa sempre manteve a empresa com muito trabalho, ele até costumava dizer: “oito escritório, oito casa”. Chegava ao escritório antes das oito da manhã e só voltava a casa por volta das oito da noite.
Ao longo de muitos anos amealhou um património razoável, que foi sempre investindo e reinvestindo, até que hoje gere um respeitável pé-de-meia. Aquilo dá para ele viver.
Mas ele lá se explicou. A empresa cada vez tinha mais dificuldades, os impostos eram cada vez maiores, a burocracia do Estado aumentava na mesma proporção. Para pagar aos funcionários 100, tinha que entregar ao Estado 23,75 e depois o funcionário ainda entregava ao Estado mais 46,5 (11 da segurança social e 35,5 de irs). Dos 123,75 que o Costa pagava o pessoal só recebia 53,50!!! E ainda falavam que no orçamento de estado, ainda iam aumentar os impostos e taxas. NÃO, CHEGA!
Por isso fechei a tasca, desabafava o Costa. Ainda quis vender mas não havia quem me quisesse comprar.
Paguei tudo ao pessoal e fechei a porta.
Agora deixei as preocupações, já não acordo durante a noite sobressaltado, preocupado com o dinheiro para os salários, durmo que nem o Anjos, aquele nosso amigo que sempre soube viver sem preocupações.
Para já mudei a minha residência para Espanha, onde pago 21% de imposto sobre os meus rendimentos de dividendos e juros. Investir em Portugal é que nem pensar.
O Costa lá ia dizendo que o que gostava mesmo era de viver aqui em Portugal, mas para residir nem pensar, e muito menos trabalhar.
O funcionalismo público, em particular a autoridade tributária, vê-nos como bandidos e actuam antes que possamos sequer apresentar qualquer contraditório, assim não vale a pena correr riscos. Nós é que pagamos o salário a toda esta gente, aos nossos funcionários directamente e aos do Estado indirectamente. É que isto cansa. Por isso fechei a tasca e agora quero é não fazer nada. É difícil não fazer nada, mas é isso que eu quero, dizia o Costa com ar decidido.
Deixei o Costa, fui para casa, deitei-me no sofá e pus-me a pensar.
Vêm aí aumento de impostos, greves dos funcionários e depois os Juízes de um qualquer tribunal ainda podem vir dizer que esta receita não pode ser. Virá outra receita com ainda mais impostos. Este ano o défice vai descer de 6% para 4,5% e é o que se viu. Para o ano tem que descer de 4,5% para 2,5%, ainda vai ser pior.
E se outros fizerem isto não vai haver empregos, nem irs para taxar, nem salário para os juízes...
Também eu vou fechar a tasca.


Tranquilo, em Outubro 2012
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pvg80713

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #2 em: 2012-10-18 14:44:11 »
o Costa podia ser o Tranquilo...

Tranquilo

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #3 em: 2012-10-18 15:14:21 »

podia mas não é !  :)

os personagens e as situações são mera ficção, e qualquer semelhança com factos, grupos profissionais ou situações no País são mera coincidência!

 8)
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Local

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #4 em: 2012-10-18 15:26:13 »
Ainda bem, já estava convencido que a Tasca do Tranquilo ía fechar. :)
“Our values are human rights, democracy and the rule of law, to which I see no alternative. This is why I am opposed to any ideology or any political movement that negates these values or which treads upon them once it has assumed power. In this regard there is no difference between Nazism, Fascism or Communism..”
Urmas Reinsalu

Tranquilo

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #5 em: 2012-10-18 15:29:43 »

Ficção, ficção.

mas obrigado pela preocupação Local. Se fosse o meu caso (e não é) não era mau ia viver dos rendimentos...

mas que dá vontade, ai isso dá.
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jeab

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #6 em: 2012-10-18 16:00:10 »

podia mas não é !  :)

os personagens e as situações são mera ficção, e qualquer semelhança com factos, grupos profissionais ou situações no País são mera coincidência!

 8)

poças ... tava à rasca ... a pensar ... mas como este tipo soube da minha vida ?... e até descobriu que gosto de bifes ...  :)
« Última modificação: 2012-10-18 16:00:44 por jeab »
O Socialismo acaba quando se acaba o dinheiro - Winston Churchill

Toda a vida política portuguesa pós 25 de Abril/74 está monopolizada pelos partidos políticos, liderados por carreiristas ambiciosos, medíocres e de integridade duvidosa.
Daí provém a mediocridade nacional!
O verdadeiro homem inteligente é aquele que parece ser um idiota na frente de um idiota que parece ser inteligente!

Tranquilo

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #7 em: 2012-10-18 16:30:45 »

é lixado, não é?!
Anda muita malta a pensar assim...
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jeab

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #8 em: 2012-10-18 16:44:39 »

é lixado, não é?!
Anda muita malta a pensar assim...

eu fiz isso há 3 anos ...  :)  agora divirto-me por aqui ...

Edit: - Só não estou Tranquilo porque tenho 2 filhos a acabarem os estudos e sem futuro no País deles  :(
« Última modificação: 2012-10-18 16:46:35 por jeab »
O Socialismo acaba quando se acaba o dinheiro - Winston Churchill

Toda a vida política portuguesa pós 25 de Abril/74 está monopolizada pelos partidos políticos, liderados por carreiristas ambiciosos, medíocres e de integridade duvidosa.
Daí provém a mediocridade nacional!
O verdadeiro homem inteligente é aquele que parece ser um idiota na frente de um idiota que parece ser inteligente!

Tranquilo

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Re:Um conto Lusitano
« Responder #9 em: 2012-10-18 16:50:37 »

eu fiz isso há 3 anos ...  :)  agora divirto-me por aqui ...

Edit: - Só não estou Tranquilo porque tenho 2 filhos a acabarem os estudos e sem futuro no País deles  :(


gostei do trocadilho!  :D

também eu tenho 2 filhos, um já se foi para o Reino Unido, o outro ainda está na fase dos estudos ...  :(
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