Transcrevera-me este artigo do Expresso:
«É o meu maior medo desde o início: a adesão da população a políticas cada vez mais autoritárias e securitárias, porque vivemos num tempo em que o conforto e o controlo são mais importantes do que a liberdade e o risco inerente à liberdade. Vivemos em sociedade marcadas por uma absoluta necessidade de controlo; os Estados e sobretudo as pessoas querem controlar tudo, não sabem lidar com imprevistos fora do controlo métrico dos algoritmos. Neste sentido, a população exige implícita ou explicitamente algo impossível aos governos: 100% de segurança contra o vírus, como se a história humana fosse capaz de filtrar em absoluto a história natural, como se o homem fosse superior ao cosmos.
Conscientes desta obsessão dos povos que governam, os governos caíram no erro da quarentena draconiana e medieval, uma medida destinada a apaziguar o pânico de uma geração que, pela primeira vez, sentiu um fenómeno completamente fora do seu controlo. O <ficar em casa>, repito, não foi uma resposta científica ao vírus, foi o reflexo de uma geração obcecada com o controlo antropocêntrico e que, pela primeira vez, foi confrontada com a perda dessa ilusão de controlo.
Apesar de ser uma epidemia historicamente benigna, a covid-19 tem força suficiente para destruir bolha da ilusão antropocêntrica
Esta geração é muito crítica dos efeitos ambientais do capitalismo global, contudo, não deixa de ser absolutamente antropocêntrica, isto é, julga que o homem é o centro. Esta obsessão antropocêntrica está no âmago da narrativa do aquecimento global: dizem-nos que o homem está a mudar o clima. Não contesto as teorias científicas, mas adianto duas coisas. Primeira, o nosso ambientalismo deve ser moral e não científico; se esta tese estiver incorrecta (como tantas outras teses científicas ao longo da história), este ambientalismo perderá a sua sustentação. Segunda, o público em geral não compreende um pormenor decisivo: a humanidade não é o maior influenciador do clima, não somos mais fortes do que o universo. A nossa percentagem de influência no clima é reduzida por comparação com as oscilações do sol, por exemplo. A questão é que um aumento pequeno da percentagem do aquecimento provocado pelo homem pode desequilibrar a balança. Mas este hipotético desequilíbrio não faz da humanidade a grande alavanca do clima. Quando se rebelam contra o capitalismo, contra as viagens de carro e avião, quando se insurgem contra a carne de vaca, os públicos ocidentais partem do pressuposto de que tudo é humano no clima; é como se a natureza fosse uma mera consequência da acção humana, é como se a história natural fosse comandada pela história humana.
A epidemia estilhaçou esta forma mental. Apesar de ser uma epidemia historicamente benigna, a covid-19 tem força suficiente para destruir a bolha da ilusão antropocêntrica. E agora, rendidas ao pânico, as populações estão a demonstrar que valorizam mais a sensação de segurança do que a liberdade. Ao longo das últimas décadas, as sociedades ocidentais perderam por completo a noção de risco da história natural (epidemias) e, claro, da história humana (conflitos). E uma sociedade que não tolera o risco é uma sociedade que não sabe viver em liberdade.»