Eu até era capaz de mostrar como é que a pide e a polícia do pensamento actuava junto da juventude da classe média nos anos cinquenta, com flexibilidade e inteligência, no sentido de demover os jovens universitários do radicalismo esquerdista de necessidade inevitável de revolução para que a sociedade progredisse… muito interessante, algo feito habilmente por outros estudantes mais velhos, - e professores novos, também -, de modo hábil, mas sem conseguirem realmente… convencer… Refiro-me aos tempos universitários da Revolução Cubana de Fidel de Castro. As coisas, por cá, nas universidades, mudaram, tornaram-se mais duras, com as guerras coloniais, a mobilização para as comissões no Ultramar, a proibição estrita de discutir a opção militar de não-negociação com os movimentos de libertação, todos apodados de terroristas… Uma paisagem urbana constante nos anos sessenta e setenta, em Lisboa e Porto, eram pelotões de magalas, fardados, em passo de corrida, cumprindo o serviço militar que só se completaria com a mobilização para o Ultramar no mínimo de dois anos, nem um dia menos, que se porventura faltasse, era motivo suficiente para poder exigir cumprir nova comissão! Sim, as coisas mudaram prá classe média, e para os jovens, a pide tornou-se mais dura, a refutação do marxismo, do progressismo, deixou de ser insinuante, dialogante, e passou a ser mais seca, e absoluta proibição de discutir Ultramar. Qualquer transigência nesse ponto era tida por traição à Pátria. Havia uma coisa, interessante… -:) as multas de trânsito de estrada, ou na cidade, eram perdoadas com o argumento, «Oh, Sr. Guarda, sou aspirante, vou ter de ir pr'Angola, veja lá…» Eles deixavam passar -:) Ou, então, «Já estive em Angola, foi sem querer…» Lol. E o resto, era difícil, se bem que os salários aumentaram, - a mão-de-obra rareou quer pela emigração para a Europa, quer pela mobilização para África-, as remessas de poupanças dos emigrados choviam em quantidade notável, os bancos cobravam juros-extra clandestinos aos comerciantes e industriais, - mas aumentavam o capital social de dois em dois anos, com entrada de dinheiro fresco -, pelo que a economia prosperava sem que os gastos de guerra desequilibrassem o orçamento do estado! Para mostrar uma experiência genuína, anos sessenta, digo, no meu pelotão em Mafra, com o alferes de carreira que o comandava, falávamos de como é que o Exército, a tropa, os militares do quadro iriam reagir quando a revolução destituísse o governo. E, testemunho, essa questão não inquietava o 'nosso alferes', achava-a natural, que poderia bem acontecer um dia, e que tratariam disso com disciplina e ordem… Mas, não éramos denunciados a Pide nenhuma! Ponto. E para minha surpresa,- o nosso preconceito era que os militares eram estúpidos! -, conheci na tropa e no ultramar, comandantes, vice-comandantes e capitães, perfeitamente lúcidos, inteligentes, prudentes e honestos. Para nós, civis, a tropa, o exército, o ultramar, foi uma secante que se atravessou no arco da nossa vida, que não pudemos evitar, só por deserção e exílio o poderíamos ter feito, evitando sequer a tangente de tal contacto… Alguns, fizeram-nos. A generalidade, não. Mas que a classe média sofreu, sofreu.