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Autor Tópico: The Beggar of Baghdad  (Lida 9212 vezes)

Dilath Larath

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The Beggar of Baghdad
« em: 2015-03-31 21:19:17 »
Que a paz esteja convosco,

Vou contar-vos uma história que envolve o meu senhor, o grande Califa Haroun Al-Poussah assim como o meu patrão o Grão Vizir Iznogoud e uma estranha personagem que já será descrita mais adiante e a que decidi chamar O Pedinte de Bagdade.

Espero que seja do vosso agrado,
Salam,
D
O meu patrão quer ser Califa no lugar do Califa

Dilath Larath

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #1 em: 2015-03-31 21:26:14 »
Estava o grande Califa Haroun Al Poussah, reclinado em alguns confortáveis almofadões, que os árabes usam para descansar,  perguntando a si próprio se haveria alguma coisa no mundo que ainda lhe pudesse proporcionar alguma distração e divertimento quando, Iznogoud o seu grão-vizir, apareceu diante dele.

Fazendo uma grande vénia, o vizir esperou, como era o seu dever, que o seu senhor lhe dirigisse a palavra.
Mas Haroun Al Poussah não lhe lançou mais que um olhar enfadado e voltou a mergulhar na sua disposição cinzenta.

No entanto Iznogoud tinha algo importante para dizer e não tencionava ser ignorado por um mero silêncio.
Com nova e profunda vénia em frente do trono, disse:

Comendador dos Crentes. Lembra-se sua Majestade que tinha decidido examinar por si próprio a forma como a justiça é feita e a ordem mantida na cidade de Bagdade? Este é o dia que sua senhoria destinou para tal objectivo. Talvez cumprindo-o, sua alteza encontre alguma distracção da melancolia que vejo com pesar, tolhe sua majestade.

Estás certo, meu bom Iznogoud! respondeu o Califa. Tinha esquecido completamente esse meu intento.
Vai e muda de vestes; mudarei também as minhas de forma a não sermos reconhecidos pela multidão.

Pouco depois, disfarçados de mercadores de terras distantes, saíram por uma porta secreta para as ruas de Bagdad.
Encaminharam-se na direcção do Eufrates e embarcando num pequeno bote, atravessaram o grande rio.

Passearam indolentemente , pela  zona da cidade que se estende na margem do rio, oposta ao palácio real.
Nada viram que fosse digno de nota ou que necessitasse da sua interferência.

Agradado com a paz e boa ordem da sua cidade, o Califa e o seu Vizir, encaminharam-se para o palácio, desta vez optando por atravessar a ponte que atravessa o Eufrates.
Tinham acabado de passar a ponte, quando foram detidos por um mendigo que pedia esmola.

O Califa deu-lhe uma moeda de ouro e já se afastava, quando o mendigo lhe agarrou a mão e o fez deter-se.
Caridoso senhor, disse ele, quem quer que tu sejas satisfaz-me  ainda um outro pedido. Bate-me! Uma só bofetada!

O Califa, surpreendido replicou gentilmente: meu bom homem, o que tu pedes é impossível. De que serviria a minha esmola se te tratasse depois, dessa forma?
E enquanto falava, tentava soltar-se da mão do mendigo.

Meu senhor, respondeu o homem, perdoa a minha audácia e persistência. Toma de volta o teu dinheiro ou dá-me a bofetada que peço.
Fiz uma jura solene de que não receberia nenhuma esmola sem receber igualmente tal castigo.

Perturbado por tais palavras,  o Califa rendeu-se ao pedido do homem, bateu-lhe levemente no ombro e prosseguiu o seu caminho enquanto se ouvia ainda no ar,  a benção do pedinte.

Quando se encontravam a uma distância fora do alcance auditivo do mendigo, o grande Califa disse para o vizir: deve haver algo muito estranho que faça aquele homem agir de tal maneira. Gostaria de saber a razão de tão estranho comportamento.

Volta atrás, diz-lhe  quem sou e ordena-lhe que venha ao palácio, amanhã sem falta, depois da oração da noite.

Assim, o vizir voltou à ponte; deu ao mendigo uma moeda de ouro e uma vigorosa bofetada, transmitiu-lhe a mensagem do Califa e apressou-se a reunir-se com o seu senhor.

No dia seguinte, depois das orações da noite, o grande Califa entrou na salão onde recebia os seus súbditos, onde já se encontrava o seu fiel Vizir, com o pedinte que tanto tinha perturbado o Califa no dia anterior.

Os dois curvaram-se profundamente diante do trono, após o que o soberano, se dirigiu ao pedinte e lhe perguntou: qual é o teu nome?

Zark al Banu al Sassan, meu senhor, respondeu o mendigo.

Zark, mandei que viesses para explicares o  motivo de tão curioso voto.
Quando souber a razão, poderei julgar se te será permitido continuar a cumpri-lo; porque não posso evitar pensar que é um mau exemplo para o resto da população.

Conta-me então toda a verdade e não omitas nada.

Zark, prostrando-se aos pés do Califa retorquiu: Comendador dos Crentes, anseio humildemente pelo teu perdão, por ter forçado vossa alteza a praticar um acto que parece, à primeira vista, tão singular.

Sem dúvida, aos olhos dos homens assim parecerá, mas eu olho para ele como uma pequena punição de um pecado de que sou culpado, e se sua alteza se dignar ouvir a minha história, poderá confirmar que nenhum castigo poderá algum dia fazer expiar esse crime.

a seguir: a história de Zark al Banu al Sassan.
« Última modificação: 2015-03-31 21:26:44 por Dilath Larath »
O meu patrão quer ser Califa no lugar do Califa

Zark

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #2 em: 2015-03-31 22:14:53 »
e assim o grande Califa ordenou-me que contasse a minha história, sem nada omitir.

Assim me proponho fazer nas próximas páginas

Zark
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Arabian Proverb
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You've got to know when to hold 'em
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And know when to run
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There'll be time enough for countin'
When the dealin's done

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vbm

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #3 em: 2015-03-31 22:23:31 »
:)

tommy

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #4 em: 2015-03-31 22:43:25 »
Sempre interessante ver o pessoal que se droga e depois vem para internet.

Afinal deves ser mesmo do bloco.

Zel

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #5 em: 2015-03-31 23:04:44 »
o lark esta so a ser original, nao ha razao para criticar

Zark

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #6 em: 2015-03-31 23:20:44 »
A história de Zark Al Banu Al Sassan

Nasci, Comendador dos Crentes em Baghdad.

Tive a sorte de os meus pais serem pessoas de posses; quando morreram deixaram-me uma pequena fortuna que fiz aumentar, trabalhando arduamente, dia e noite.
A certa altura era já o dono de oitenta camelos, que alugava  aos mercadores quando formavam as suas caravanas

Frequentemente eu próprio os acompanhava nas suas viagens e regressava sempre com gordos lucros.

Certo dia, regressava eu de Bassorá, onde tinha adquirido um carregamento de mercadorias destinadas à India,  quando ao meio dia parámos num lugar solitário que prometia boa pastagem para os meus camelos.

Descansava à sombra de uma palmeira quando um derviche, que se dirigia a pé para Bassorá, se sentou a meu lado.

Eu perguntei-lhe de onde vinha e para onde ia e rapidamente fizemos amizade, partilhámos a comida que trazíamos e satisfizemos a nossa fome.

Enquanto comíamos o derviche mencionou que num lugar muito perto dali, se encontrava escondido um tesouro tão grande que mesmo depois dos meus camelos serem carregados até mais  não poderem, o esconderijo pareceria tão cheio com se nunca tivesse sido tocado.

Estas palavras fizeram a cobiça crescer como um tumor dentro de mim, turvando-me a visão da virtude e da honradez.

Dirigi-me ao derviche e disse: bom derviche, posso ver claramente que as riquezas do mundo nada são para ti.
Qual seria a utilidade de tal tesouro, para ti? Só e viajando a pé, apenas poderias carregar contigo uma mera mão cheia.

Diz-me onde está esse tesouro e eu carregarei os meus oitenta camelos e dar-te-ei um deles como penhor da minha gratidão.
Certamente a minha oferta não soava muito magnificente, mas para mim era generosa; a ganância havia capturado o meu coração e quase julguei os setenta e nove camelos que me caberiam, como uma soma irrisória.

O derviche detectou claramente o que passava pela minha cabeça, mas não deu qualquer sinal do que pensava do que pensava da minha proposta.

Meu Irmão, disse-me calmamente, sabes tão bem como eu que a tua proposta é injusta. Poderia ter guardado o meu segredo, e ficado com o tesouro só para mim.
O facto de ter mencionado a sua existência, mostra que tenho confiança em ti e que esperava ganhar a tua gratidão para sempre, fazendo a tua fortuna assim como a minha.

Eu não podia negar a razoabilidade das palavras do derviche; mas a ideia do vagabundo vir a ser tão rico como eu era-me insuportável.
Não havia, no entanto, utilidade em discutir a questão; eu tinha que aceitar as condições do homem ou chorar até ao fim da minha vida, a perda de tão grande riqueza.

Assim, reuni os meus camelos e disse ao derviche para indicar o caminho.

Depois de andarmos algum tempo chegámos a um local que parecia um vale mas com uma entrada tão estreita que os meus camelos só podiam passar um por um.
O pequeno vale era confinado por duas montanhas com paredes tão lisas que nenhum humano as poderia escalar.

Parámos quando nos encontrávamos mais ou menos a meio do vale.
Faz os teus camelos deitarem-se neste espaço, disse ele, de forma a que os possamos facilmente carregar. A seguir iremos pelo tesouro.

Fiz o que me era pedido e juntei-me a ele que tentava acender um pequeno fogo com alguma lenha seca.
Assim que o acendeu, lançou-lhe uma mão-cheia de incenso e pronunciou algumas palavras que eu não entendi.

Uma grossa coluna de fumo subiu no ar do vale.

O derviche separou o fumo em duas colunas e então eu vi algo que me deixou paralizado de espanto
A face da montanha abria-se lentamente e um palácio esplêndido aparecia.

Comendador dos Crentes, a luxúria pelo ouro tinha tomado posse de mim. Nem me deti para examinar as riquezas. Caí sobre uma pilha de ouro perto de mim e desatei a enfiar freneticamente as moedas num saco que tinha trazido.

O derviche começou também a trabalhar. Mas cedo notei que apenas recolhia pedras preciosas. Pensei que deveria fazer o mesmo.
Finalmente os camelos foram carregados com o máximo que se podia carregar e restava selar o tesouro e tomarmos cada um o seu caminho.

No entanto, em vez de se pôr imediatamente a caminho o derviche dirigiu-se a um grande vaso dourado, explendidamente trabalhado, e de lá tirou uma pequena caixa de madeira, que escondeu no interior das suas vestes, dizendo que continha um unguento especial.

Então, mais uma vez ateou o a fogueira, lançou-lhe incenso e murmurou o feitiço desconhecido.
A rocha fechou-se; nenhuma irregularidade se via agora na face da montanha.

continua...
« Última modificação: 2015-03-31 23:27:34 por Zark »
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Incognitus

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #7 em: 2015-04-01 00:42:23 »
Sempre interessante ver o pessoal que se droga e depois vem para internet.

Afinal deves ser mesmo do bloco.

O Lark vai apresentar aqui negociação como fez noutro tópico, tommy.
"Nem tudo o que pode ser contado conta, e nem tudo o que conta pode ser contado.", Albert Einstein

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vbm

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #8 em: 2015-04-01 08:52:50 »
Giro, o provérbio árabe:


«If begging should unfortunately be your destiny,
knock only at the large gates.»


e verdadeiro!

Dilath Larath

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #9 em: 2015-04-03 01:30:23 »
Seguidamente dividimos os camelos após o que, marchámos para fora do vale até que chegámos à encruzilhada de onde partíramos .

O derviche seguiria para Bassorá e eu para Bagdade.

Abraçámo-nos fraternalmente e eu transmiti-lhe a minha gratidão pela honra que ele me tinha feito ao escolher-me como destinatário de toda aquela riqueza.
Despedindo-nos  comovidamente, apressámos os nossos camelos na direcção dos nossos respectivos destinos.

Mal tinha iniciado a jornada quando o demónio da inveja invadiu a minha alma. Para que quer um derviche riquezas daquelas? Só ele tem o segredo do tesouro e pode sempre obter as que quiser.

Neste estado de espírito, parei a caravana na berma da estrada, desmontei apressadamente e corri para ele.
Eu era veloz e não demorei muito tempo a apanhá-lo.

Meu irmão, disse eu, assim que consegui falar, no mesmo momento em que nos afastávamos, ocorreu-me o seguinte pensamento: tu és um derviche por opção de vida e levas uma vida tranquila, apenas preocupado em fazer o bem, e esquecido das coisas do mundo.
Não imaginas o peso que tomas sobre ti, quando guardas nas tuas mãos tão grande fortuna. Não estás habituado, como eu, desde o dia em que nasci, a estas teimosas bestas a que chamamos camelos.

Sê sagaz e toma sobre ti a responsabilidade de não mais que trinta camelos e vais achar que mesmo só esses te darão sarilhos suficientes.

Concordo, respondeu o derviche, que me tinha percebido muito bem mas não queria aprofundar a questão. Confesso que não tinha pensado nisso. Leva então dez animais, à tua escolha

Eu escolhi dez dos melhores camelos, e segui adiante para nos reunirmos com aqueles que tinham ficado para trás.
Eu tinha o que queria mas, tinha achado o derviche tão facilmente manipulável, que me arrependi de não ter pedido outros dez.

Olhei para trás; ele andara apenas uma meia dúzia de metros. Corri para ele:
Meu irmão, disse eu. Estou pronto para te deixar, sem no entanto te fazer notar a experiência necessária para manter unido um grupo de trinta camelos.
No teu próprio interesse, estou seguro que estarias muito melhor se me confiasses outros dez, já que a minha prática me permite guiar com igual facilidade, dois ou cem camelos.

Tal como anteriormente, não colocou nenhuma objecção. Tomei outros dez camelos, sentindo-me  secretamente triunfante, deixando-o com vinte.
Eu tinha agora sessenta. Qualquer um imaginaria que eu estivesse satisfeito.

Mas, Comendador dos Crentes, há um provérbio que diz 'quanto mais se tem mais se quer ter'. Assim aconteceu comigo. Não descansei enquanto o derviche não ficou senão com um camelo. Voltava a ele, redobrando as minhas preces e abraços, promessas de eterna gratidão, até que os últimos vinte estavam nas minhas mãos.

Faz bom uso deles meu irmão, disse o santo homem.
Lembra-te que a riqueza tem asas se a guardarmos toda para nós.

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vbm

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #10 em: 2015-04-03 09:30:07 »
:)

Há muitos anos que não respirava na atmosfera de um conto árabe! Inebriante.
 
Li as O Livro das Mil e Um Noites, nas traduções de Aquilino Ribeiro, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e outros, com ilustrações de Carlos Botelho, Júlio Pomar e outros.
Quem puder, não deve deixar de mergulhar naqueles contos!

 
 

Dilath Larath

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #11 em: 2015-04-07 01:31:30 »
A minha alma estava de tal forma inebriada com a ganância que não liguei ao que ele dizia no afã da procura de mais qualquer coisa para tomar para mim.

Subitamente lembrei-me da pequena caixa de unguento que o derviche tinha escondida nas suas vestes.
Certamente conteria um tesouro mais precioso que tudo o resto, pensei eu. Por que diabo o derviche a teria guardado se me tinha confiado toda a sua riqueza?

Dando-lhe um último abraço observei casualmente: meu irmão, que vais fazer com essa pequena caixa de unguento? Não me parece que valha a pena levá-la contigo; podias deixá-la comigo. E na realidade um derviche que se apartou do mundo não precisa de unguento para nada.

Oh! se ele ao menos tivesse recusado o meu pedido. Mas mesmo se o tivesse feito eu ter-lhe-ia tirado a caixa pela força, tão grande era a loucura que me tinha tomado nas sua garras. No entanto, pelo contrário, o derviche não recusou o meu pedido. Tirou-a das vestes e graciosamente entregou-ma.

Toma meu irmão, é tua, disse o derviche. Se houver algo mais que eu possa fazer  que te faça feliz, basta que mo digas.

Tinha a caixa nas minha mãos! Observei que tinha embutidos dois pequenos espelhos, no topo e na base.
Dirigi-me ao derviche: diz-me meu irmão quais são as virtudes deste unguento?

O derviche respondeu-me: da caixa, meu irmão. as virtudes são da caixa. E são muito interessantes e curiosas.
Se deixares o sol do meio-dia ser reflectido no espelho da parte superior e para os teus olhos, ganharás um poder imenso.

Passarás a poder ver as riquezas escondidas nas entranhas da terra, tal como eu vi o tesouro no interior da montanha.
Mas cuidado meu irmão. Se fizeres o mesmo com o espelho da parte inferior, ficarás cego para sempre.

As suas palavras excitaram a minha curiosidade e cobiça, de tal forma que todo eu tremia.
Ensina-me como usá-la, pedi encarecidamente ao derviche.

Está bem meu irmão. O meio dia aproxima-se e eu ensinar-te-ei a usá-la.

Esperámos pelo sol do meio dia. O derviche sentado calmamente, em meditação. Eu andando de um lado para o outro, preso de um nervosismo incontrolável.
Chegado o meio-dia corri para o derviche e disse: mostra-me como utilizar o espelho meu irmão, peço-te.

O derviche disse-me: segura a caixa na tua mão direita, olha para o espelho e tenta ver o sol.
Quando o vires, será sinal que está na posição correcta; os raios do meio-dia reflectir-se-ão no espelho e inundarão os teus olhos de luz.

Assim fiz; rapidamente consegui avistar o sol no espelho. Quando tal aconteceu fui banhado por uma luz extraordinária que me deixou deslumbrado. Fechei os olhos.
Quando os abri novamente, conseguia ver o interior da terra como se esta fosse de cristal. Nos sítios onde existia ouro eu via-o claramente como se de uma rocha amarela se tratasse.

Onde antes, se escondiam esmeraldas, agora eu via as gemas verdes tal como vemos uma planta verde diante de nós. Via diamantes, ouro, pedras preciosas. Todas as riquezas da terra estavam ao alcance do meu olhar.

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Zark

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #12 em: 2015-04-07 03:19:17 »
Eu devia sentir-me satisfeito. Tinha oitenta camelos carregados de riquezas e a capacidade de ter outros oitenta. Outros oitenta não. Outros oitocentos.  Oito mil!
Qualquer homem ficaria por aqui.
Gozaria as suas riquezas até ao fim dos seus dias, gastando mais que um califa e ainda deixando aos seus descendentes uma incomensurável fortuna.

Mas não eu, infelizmente.  A minha mente distorcida pela ganância interrogava-se: e o outro espelho? Se o de cima tinha tanto poder, o debaixo terá ainda mais. O derviche só disse que me poderia cegar para me impedir de usufruir das maravilhas que tal espelho, concerteza proporcionará.

Se o espelho de cima me mostrou as riquezas, o debaixo mostrar-me-á como tomar posse delas.
Desvairado pela cobiça, virei a caixa na minha mão e procurei o sol no pequeno espelho.

Vi-o. E no mesmo momento que o vi, deixe de ver fosse o que fosse. Afastei os olhos da caixa, tentei ver noutra direcção. Mas tudo era negrume. Estava cego!

Miserável derviche, guinchei. Afinal era verdade. Em que poço sem fundo a luxúria pelo ouro me mergulhou.
Ah! Agora que os meus olhos estão fechados, é que realmente estão abertos.

Agora sei que os meus sofrimentos foram causados por mim próprio.
Arrojei-me aos pés do derviche: santo homem, tem piedade de mim. Com tantos conhecimentos que tens concerteza terás alguma forma de me devolver a visão.

Homem infeliz, disse; não é minha culpa que tal desgraça tenha caído sobre ti. Mas é um justo castigo. A cegueira do teu coração levou à cegueira dos teus olhos. Sim tenho segredos. Tiveste oportunidade de os ver no pouco tempo que convivemos.

Mas não tenho nenhum que cure a cobiça e a avareza. Provaste ser indigno das riquezas que te foram concedidas.
Agora passaram para as minhas mão e delas fluirão para as mão de outros, menos gananciosos e ingratos.

No entanto, enquanto o derviche falava, senti que a sua voz se alterava. Ao princípio severa e fria, a pouco e pouco mais terna e quente. Alguma coisa se passava.
O derviche condoera-se da minha miséria.
Mesmo depois de tudo o que eu tinha feito, de lhe ter mostrado os segredos mais negros da minha alma gananciosa ele encontrou no seu coração um réstia de compaixão por mim.

Tal é a diferença entre a vileza e a bondade.

Embora não o mereças, disse o santo homem, vou curar-te da cegueira que te aflige.
Mesmo o mais vil dos homens merece ocasionalmente um pequeno gesto de compaixão.

Senti que passava um unguento perfumado pelos meus olhos. Abri os olhos! Ó alegria, a minha visão voltara.
Quis abraçar o derviche e expressar-lhe a minha gratidão, mas a sua voz tornou-se de novo severa:

Com este unguento mágico te curei, disse. Tens a tua visão de volta.
Mas nunca terás a tua riqueza de volta. Pedirás para comer.

Não usarás os nomes dos teus ascendentes, visto que não os mereces, mas tomarás antes o meu nome.
És Zark e serás também Al Banu Al Sassan, Zark dos pedintes sassânidas, esses desgraçados seres vindos da Pérsia, depois de reduzidos à indigência pelos califas Abássidas.

Serás Zark Al Banu Al Sassan e cada vez que pedires uma moeda, pedirás também uma bofetada.
Assim lembrar-te-ás sempre das tuas acções passadas, em que apenas a cobiça e a inveja, a ganância e a avareza, comandavam o teu coração.

E não disse mais uma palavra. Deixou-me sem fala, envergonhado e confuso e tão devastado que fiquei como que enraizado no mesmo lugar, enquanto ele recolhia os oitenta camelos e prosseguia o seu caminho para Bassorá.

Em vão lhe pedi que não me deixasse só, que pelo menos me levasse até a um sítio ao alcance de alguma caravana que passasse.
Mas ele tornara-se surdo às minha preces e gritos. E eu cedo estaria morto de fome se não me tivesse arrastado ao longo do vale até, ter encontrado uns mercadores que generosamente me levaram de volta a Bagdade.

De homem rico que era, num momento passei a ser um mendigo. E até agora tenho vivido apenas das esmolas que me têm sido concedidas.
Mas para expiar o crime da avareza, obrigo que cada passante que me dê esmola,  a dar-me também uma bofetada, tal como o derviche me ordenou.

Esta, comendador dos crentes, é a minha história.

continua...
« Última modificação: 2015-04-07 03:20:34 por Zark »
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Zark

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #13 em: 2015-04-07 04:04:34 »
Quando acabei a minha história o Califa disse: Zark, na verdade o teu pecado é grande.
Mas já sofreste bastante. Como Califa, todas as ordens mendicantes e todos os derviches estão sob o meu poder absoluto.

Tenho o poder de te retirar o castigo que o homem santo te impôs. E fá-lo-ei!
De agora em diante, o teu arrependimento será feito em privado e não mais pedirás esmola.

Não vais, no entanto, ter uma vida abastada.
Vou dar-te uma pequena soma de dinheiro que te assegurará a subsistência por dois meses.

Terás que trabalhar arduamente para ganhares o teu pão.
O que conseguires poupar, será para ti.

Se desbaratares esta soma, voltarás à vida mendicante que tinhas e não poderás contar mais com a minha ajuda.
Se te conseguires manter, compartilharei os meus conhecimentos dos bazares e dos mercados contigo e deles poderás tirar proveito.

O meu vizir Iznogoud compartilhará contigo as artes mágicas  a que chama  AT (o que quer que isso seja) e o seu escravo Dilath estará sempre disponível para te ajudar.

Ao ouvir estas palavras lancei-me ao pés do Grande Califa e orei para que a sua felicidade fosse eterna.

THE END
« Última modificação: 2015-04-07 04:04:57 por Zark »
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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #14 em: 2015-04-07 10:11:15 »
:-)

Zenith

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #15 em: 2015-04-07 10:27:28 »
 ;D
Na verdade estava à espera que no final saísse lição de moral para os libertários  :D

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #16 em: 2015-04-07 10:49:34 »
muito boa história!
“Our values are human rights, democracy and the rule of law, to which I see no alternative. This is why I am opposed to any ideology or any political movement that negates these values or which treads upon them once it has assumed power. In this regard there is no difference between Nazism, Fascism or Communism..”
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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #17 em: 2015-04-07 11:56:41 »
Ora aqui está uma boa história para os gregos. O BCE aguentou-os durante mais dois meses, agora toca mas é a trabalhar e a viver de acordo com as suas possibilidades.  ;)
“Price is what you pay. Value is what you get.”
“In the short run the market is a voting machine. In the long run, it’s a weighting machine."
Warren Buffett

“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm."
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Haroun Al Poussah

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #18 em: 2015-04-07 17:46:35 »
Salam meu bom Zark,

Como prometi vou compatilhar contigo algumas das minhas ideias sobre o grande bazar a que chamamos 'mercados'.
Dar-te-ei também um pequeníssimo fundo para especulares no bazar e para te manteres durante algum tempo.

Se, como suspeito, continuas a ser um bom mercador, conseguirás garantir a tua subsistência e eventualmente aumentar o teu pecúlio, que usarás da forma que entenderes.

Com tudo aquilo por que passaste, aprendeste uma lição importante: nunca te deixes cegar pela ganância.
Se recuperares a segurança do mercador que já foste, não te deixarás cegar pelo medo.

Quem sabe se virás a a recuperar alguma da tua riqueza perdida?

A quantia que te vou disponibilizar é de 3000 €.

Mil poderás aplicar no bazar.
Os outros dois mil terão que prover à tua subsistência até os teu negócios darem frutos.
Mesmo assim, terás que retirar do fundo do bazar, todos os meses, 1/4 do valor que lá tens, que reservarás para a tua subsistência.

Da frugalidade da tua vida e das qualidades que sei existirem em ti, de negociação no bazar, dependerá o teu futuro.
Todas as semanas apresentarás contas pormenorizadas dos teus negócios bem como dos teus gastos.

Terás a minha ajuda na especulação orientada no bazar, em termos de grandes tendências e a do meu bom vizir Iznogoud nas operações de curto prazo que cumpram e façam vingar essas especulações.

Para que o teu fardo seja um pouco mais leve, poderás usar o Dilath para te ajudar nas apresentações de resultados da negociação e nas contas do dia a dia.

Procurarás uma habitação modesta, que não te sobrecarregue com uma renda mensal muito grande. Com facilidade a encontrarás visto que é só para ti.
Habituado como estás à vida de pedinte, mesmo uma pequena habitação será para ti, um luxo.
Dessa habitação prestarás as contas dos gastos com renda mensal, água, gás, luz e essa magia que permite a ligação aos mercados e a que chamam internet.

A tua vida será frugal. Para beber terás água, para comer fruta, legumes e vegetais. Pão e leite de cabra. Nada mais.
Todas estas coisas adquirirás no mercado local e dessas compras apresentarás também contas.

Só me resta desejar-te boa sorte.

Vai e que a paz esteja contigo, meu bom Zark.

Haroun, Califa de Bagdade
Il faut entendre la macro, mon bon Iznogoud
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D. Antunes

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Re:The Beggar of Baghdad
« Responder #19 em: 2015-04-07 19:04:34 »
Retirar 1/4 do fundo todos os meses: terás que ser um negociante excepcional. Caso contrário, o fundo minguará rapidamente e, ao fim de 2 anos,  já não dará sequer para comprar um quilo de tâmaras bem regateadas.

Boa sorte!

“Price is what you pay. Value is what you get.”
“In the short run the market is a voting machine. In the long run, it’s a weighting machine."
Warren Buffett

“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm."
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