Antioxidantes – O Paradoxo de Perder Saúde Tentando Ser Saudável
Segundo uma teoria enunciada nos anos 50 do século XX, o envelhecimento seria devido a lesões acumuladas devido à oxidação e mais especificamente, por moléculas muito reactivas que se denominam, de uma maneira geral, como radicais livres. Com o aumento da idade as lesões provocadas por estes radicais livres acumular-se-iam levando a alterações deletérias nas proteínas, lípidos, DNA e numerosos componentes celulares. Sabe-se que esta situação de stress oxidativo está relacionada com o surgimento de numerosas doenças, muitas das quais aparecem mais em idades avançadas.
Assim, de acordo com alguns mentores desta teoria os suplementos ricos em antioxidantes deveriam ser benéficos para a saúde e aumentar a esperança de vida. Ao mesmo tempo, existe uma enorme pressão para a prescrição e consumo destes suplementos, publicitados muitas vezes como milagrosos! E muitos destes suplementos são de venda livre.
O que nos mostra a evidência científica actual?
Estudos experimentais mostraram que no Caenorhabditis elegans (um pequeno verme nemátodo, utilizado em numerosos estudos experimentais sobre envelhecimento), a acumulação de radicais livres não conduziu a uma morte precoce, apesar da existência de lesões oxidativas graves. Outros trabalhos em ratinhos transgénicos modificados para produção de enzimas antioxidantes em maior quantidade, mostraram também que não houve aumento do tempo de vida destes animais quando comparados com animais controlo. Mais recentemente também ficou demonstrado no ratinho a capacidade dos antioxidantes para a promoção do crescimento tumoral e para a difusão de metástases no melanoma.
Baseados nestes e noutros estudos experimentais, seria portanto necessário alguma precaução, no Homem, no que diz respeito ao uso de antioxidantes no caso das neoplasias malignas.
E qual a evidência científica no Homem?
As relações de causalidade são mais difíceis de comprovar, como é lógico. No entanto, vários artigos apontam no mesmo sentido que a experimentação animal. Por exemplo, em 1994, verificou-se num ensaio clínico que após 18 meses de consumo diário de beta-caroteno parece ter havido um aumento do número de neoplasias pulmonares em indivíduos fumadores. Outro estudo, efectuado em indivíduos com risco elevado de neoplasias do pulmão (fumadores, ex-fumadores, trabalhadores expostos a amianto), foi precocemente terminado porque os resultados preliminares mostraram um aumento de 17% da mortalidade nos indivíduos que consumiram antioxidantes (beta-caroteno, vitamina A) quando comparados com o grupo que consumiu placebo.
E haverá benefícios no consumo de antioxidantes numa população saudável?
Uma revisão da Cochrane de 2008 parecia indicar uma tendência para o aumento da mortalidade em aproximadamente 4% nos indivíduos que consumiam suplementos de antioxidantes (vitamina A, beta-caroteno, vitamina E).
Uma actualização desse trabalho foi publicada em 2012 pelos mesmos autores, incluindo a revisão sistemática de 78 ensaios clínicos randomizados com 296.707 participantes. Destes a maior parte eram saudáveis (215.900) enquanto 80.807 eram detentores de várias doenças em fase estável. Foram comparados participantes que consumiram suplementos de antioxidantes (vitamina A, beta-caroteno, vitamina E, vitamina C, selénio) versus consumidores de placebo ou sem consumo. A conclusão foi a de que haveria um aumento da mortalidade ligeiro (3 a 4%) nos participantes que consumiram beta-caroteno e possivelmente após consumo de vitamina A e vitamina E. Isso não se verificou para a vitamina C e o selénio. Os autores deste estudo concluíram que o consumo de suplementos de antioxidantes na população geral, sem deficiências nutricionais, não é aconselhado. Em 2014 uma revisão da evidência chegou à mesma conclusão.
O selénio continuou a ser estudado para a prevenção de cancro. No entanto, um estudo Cochrane de 2014 demonstra que quanto melhor a qualidade dos estudos, menos benefícios se encontram com a suplementação. Pelo contrário, poderá estar associado ao aumento do risco de cancro:
“RCTs assessing the effects of selenium supplementation on cancer risk have yielded inconsistent results, although the most recent studies, characterised by a low risk of bias, found no beneficial effect on cancer risk, more specifically on risk of prostate cancer, as well as little evidence of any influence of baseline selenium status. Rather, some trials suggest harmful effects of selenium exposure. To date, no convincing evidence suggests that selenium supplements can prevent cancer in humans.”
Na prevenção de cancros gástricos também não há evidência de benefício para o beta-caroteno, vitamina A, vitamina C, vitamina E e selénio.
Na prevenção da demência também não foram encontrados resultados positivos para a vitamina E e o selénio ou vitamina E, selénio e vitamina A de forma isolada ou em combinação com outras vitaminas.
Na doença cardiovascular, apesar dos estudos serem limitados, não parece existir benefício com a suplementação de selénio ou de outro tipo de vitaminas antioxidantes.
Nas grávidas também não existe evidência de benefícios com suplementação de vitamina E, vitamina C ou vitamina A.
E lembram-se da suplementação de vitamina C para o tratamento da gripe/constipação? Infelizmente, não parece existir grande benefício com este tratamento.
Não esquecer, no entanto, que existem algumas doenças em que estes suplementos parecem ser necessários, mas somente em condições muito específicas e em doses muito elevadas (como é o caso de certos grupos de doentes com degenerescência macular da idade). Tal já não se verifica na prevenção da catarata.
Parece, no entanto, existir vantagens da suplementação de vitamina A em crianças dos 6 meses até 5 anos de idade com risco de deficiência desta vitamina. Este risco de deficiência é maior em países em desenvolvimento.
Mas porque é que isto acontece?
Um artigo da Nature faz uma boa revisão sobre o tema:
“Rather than causing aging (through oxidative chemical reactions that trigger cellular damage), some free radicals may prove beneficial.
One possibility, supported by the work of Siegfried Hekimi and Wen Yang, is that a certain number of free radicals stimulate an organism’s internal repair mechanisms to get to work. In their experiment on roundworms, published in 2010, the researchers genetically modified a group of worms so that they produced high levels of certain free radicals. Much to their surprise, the mutant worms lived longer than the normal worms. When the investigators fed antioxidants to the mutant worms, their longevity advantage disappeared.”
Ou seja, os radicais livres que os antioxidantes eliminam podem ser benéficos na ativação dos sistemas de reparação celular. Sem estes pequenos danos celulares, o organismo fica menos resistente a danos maiores que possam surgir, diminuindo a longevidade.
Aliás, os radicais livres que provocam estas pequenas agressões parecem ser uma das razões pela qual o exercício é benéfico para a saúde:
“Free radicals may also explain in part why exercise is beneficial. For years researchers assumed that exercise was good in spite of the fact that it produces free radicals, not because of it. Yet in a 2009 study published in the Proceedings of the National Academy of Sciences USA, Michael Ristow, a nutrition professor at the Friedrich Schiller University of Jena in Germany, and his colleagues compared the physiological profiles of exercisers who took antioxidants with exercisers who did not. Echoing Richardson’s results in mice, Ristow found that the exercisers who did not pop vitamins were healthier than those who did; among other things, the unsupplemented athletes showed fewer signs that they might develop type 2 diabetes.”
Conclusão
Na ausência de carências nutricionais, um indivíduo saudável não deve consumir suplementos com antioxidantes. Uma alimentação saudável, como a dieta Mediterrânica por exemplo, fornece todos os antioxidantes necessários.
O consumo de suplementos com antioxidantes parece estar associado ao aumento de mortalidade. Portanto, verifica-se o paradoxo da pessoa que tenta ser saudável estar a perder saúde ao consumir este tipo de produtos.