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Autor Tópico: Estudantes desaparecidos no México  (Lida 604 vezes)

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Estudantes desaparecidos no México
« em: 2014-10-15 14:49:10 »
A história toda daqueles estudantes desaparecidos no México.
Impressiona como toda a sociedade vive à margem da lei (uns por opção, a maioria por necessidade)


Estudantes desaparecidos no México. Tintim por tintim

Um conflito, tiros, tiros, tiros, seis mortos, 43 desaparecidos, 34 suspeitos detidos e algumas valas clandestinas. Estas são as peças que conhecemos do puzzle - ainda incompleto - iniciado a 26 de setembro, em Iguala, no sul do México. As investigações têm avançado a passo de caracol. Os resultados dos testes de ADN não há maneira de saírem. Esqueçamos isso. O exercício que aqui lhe propomos é simples: rebobinar. Mas para quê contarmos-lhe nós uma história quando há quem a tenha vivido - e sobrevivido - e pode contá-la por nós?
 

10:00 Quarta feira, 15 de outubro de 2014

São já nove as valas clandestinas descobertas pelos investigadores mexicanos, situadas nas redondezas de Iguala, onde terão sido enterrados muitos dos estudantes desaparecidos a 26 de setembro
São já nove as valas clandestinas descobertas pelos investigadores mexicanos, situadas nas redondezas de Iguala, onde terão sido enterrados muitos dos estudantes desaparecidos a 26 de setembro /  YURI CORTEZ/AFP/Getty Images
Na entrevista que deu à VICE News, juntamente com outros sobreviventes do ataque, Mario pediu o anonimato. Mario é estudante de primeiro ano na Escola Normal Raul Isidro Burgos Ayotzinapa, no volátil estado mexicano de Guerrero. Esta escola tem uma particularidade: é a única - das nove instituições de formação de professores neste estado - exclusivamente masculina e a única onde os alunos dizem que quem manda são eles e não os professores. Na verdade, as suas particularidades são várias.

Neste campus, com 88 anos de existência, todas as decisões são tomadas pelos alunos, por intermédio de uma espécie de sufrágio. As atividades dos estudantes - curriculares ou não - são realizadas através de comissões. No dia 26 de setembro, sexta-feira, estas mesmas comissões determinaram que a próxima atividade seria fora de portas. Naquela manhã, agendou-se uma 'cartera'.

 

Um sequestro de mansinho
Nas 'carteras', os estudantes assumem o controlo de autocarros comerciais - por norma, através de subornos aos motoristas - e ocupam portagens em autoestradas, pedindo donativo para a escola. Naquele dia, os estudantes tinham marcado um protesto para antes de um evento na comunidade de Tixtla, onde iria discursar María de los Ángeles Pineda, mulher do presidente da Câmara de Iguala, Jose Luís Albarca.

Um breve parêntesis: os vínculos entre a família de Pineda e o cartel Beltran Leyva eram bem conhecidos por todo o estado de Guerrero, mas as autoridades nada fizeram quanto às sérias acusações - incluindo rapto e homicídio - dirigidaas a Albarca e à sua mulher. Aliás, o nome de Pineda já era apontado como forte candidato às eleições do próximo ano em Iguala. Fecha parêntesis.

Os normalistas regressaram ao campus de Ayotzinapa por volta das 16h, depois do protesto. Por esta altura, já tinham usurpado dois autocarros. Mas não eram suficientes. Os estudantes queriam estar na Cidade do México, no dia 2 de outubro, para uma marcha estudantil. Mais uma vez por decisão das comissões, 120 deles, nenhum com mais de 25 anos, entraram nos dois autocarros e foram em direção a Iguala, onde pretendiam sequestrar mais quatro autocarros e voltar para o campus.

"Naquela sexta-feira, partimos da escola em dois autocarros - que já havíamos acordado com os motoristas -, fomos para o terminal de Iguala e ocupámos os outros sem qualquer problema", conta Mario. Dos seis autocarros ocupados pelos estudantes, "três deles seguiram em caravana pela baixa da cidade e os outros três foram por outra estrada". Mario estava com uma T-shirt branca, um boné azul e vermelho que usava para cobrir o rosto, o casaco vermelho do uniforme de Ayotzinapa e um par de sapatos pretos.
 

 YURI CORTEZ/AFP/Getty Images Cartaz com as fotos dos 43 estudantes mexicanos desaparecidos, exibido na autoestrada que liga Chilpancingo a Iguala, anuncia o pagamento de um milhão de pesos (quase 60 mil euros) a quem souber de informações sobre o seu paradeiro
Sem dó nem piedade
Mario estava no interior do terceiro autocarro da caravana, já no coração de Iguala, quando o ataque começou. Nessa altura, Mario e os seus colegas pensavam tratar-se de meros tiros para o ar, em jeito de ameaça. Mas não. "Os autocarros pararam e foi aí que me apercebi que as balas vinham em direção a nós", explica. Mario e três colegas abandonaram o autocarro, percebendo, de imediato, que os disparos vinham de dois carros da polícia municipal. Inofensivo, Mario pegou em pedras e atirou-as contra os carros. Num piscar de olhos, ele e os colegas estavam cercados de carros de polícia.

"Uma das balas atingiu o Aldo, que caiu mesmo ao meu lado. Vi uma poça de sangue formar-se. Eu gritei-lhes, dizendo que tinham alvejado um de nós, e eles começaram a disparar mais. Se nos mexessemos eles disparavam, se gritássemos ou falássemos eles disparavam". Mario e os três colegas esconderam-se entre o primeiro e o segundo autocarros. Entretanto, os normalistas que se encontravam no terceiro autocarro, o mesmo do qual Mario havia saído segundos depois do início dos disparos, começaram a ser transferidos para carros da polícia. Mario contou, pelo menos, 30.

Depois, Mario voltou ao autocarro e apanhou alguns cartuxos, que descreve como sendo de revólveres e metralhadoras. Nesta altura, chegava o segundo grupo de polícias. Mas estes, diz Mario, "usavam capacetes, fatos à prova de bala, armaduras e luvas pretas". Num cenário como este, qualquer legenda era escusada, mas esta foi a voz de comando dos agentes: "Saiam imediatamente daqui. Vocês não são bem-vindos a esta cidade". Os carros partiram, levando dezenas de estudantes algemados, precisamente aqueles que, até hoje, não voltariam a ser vistos. Mario estava deitado no chão do terceiro autocarro.

O segundo ataque veio de um grupo de carrinhas da polícia que aceleraram em direção aos estudantes, sem dar qualquer folga aos gatilhos. Julio Cesar Ramírez, de 23 anos, Daniel Gallardo, de 19, uma taxista, um motorista de um dos autocarros e dois passageiros dos autocarros foram mortos durante esta rajada de disparos. Mario diz que "foi como colocar um pacote de fogos de artifício numa fogueira, como uma chuva de balas". Quinze minutos que pareciam não ter fim. Mas, ao contrário da primeira investida, os atiradores das carrinhas eram civis.

 

Esperança e incerteza
Já vai em nove o número de valas clandestinas descobertas pelos investigadores do caso. Os 34 suspeitos detidos confirmam que muitos dos estudantes desaparecidos foram mortos, queimados e enterrados nessas mesmas fossas, situadas nas redondezas de Iguala. Os familiares recusam-se a acreditar nesta versão, enquanto aguardam pelos resultados dos testes de ADN para se apurar a identidade dos cadáveres encontrados nas valas.

Entretanto, o tumulto teima em não abandonar o estado de Guerrero. Um estudante alemão em intercâmbio foi hospitalizado, no passado domingo, depois de ser alvejado pela polícia, quando regressava da Cidade do México com um grupo de amigos. O incidente poderá ter sido motivado pelo facto de o grupo de estudantes não ter obedecido à indicação das autoridades para parar o veículo.



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