Liar!
Liar?
Liar é mentiroso? Se é, tal só é verdade quando quero, quando não quero, não é mentira.
Understand? Mainly, talking with a woman, yeah! E realmente, ando a reler uma pequena
antologia de Sá de Miranda, prefaciada e comentada pelo insigne professor Rodrigues Lapa.
A mim, sempre encanta debruçar-me sobre um escrito antigo. É quase como conversarmos
com um extraterrestre! -:) Porque é outra cultura, outro mundo, muito diferente do nosso,
mas onde reconhecemos pensamento humano, racional, um nosso semelhante!
Claro, fazer isso sem guia, é impensável. Para isso servem os docentes.
Eu gosto. Só para veres a estranheza quase incompreensível (sem o apoio de Rodrigues Lapa),
aqui te deixo esta fala no diálogo de dois amigos, um que convive (Bieito) outro que se isola (Gil).
Edito só uma das falas do último. Quase não se percebe! -:) Mas é questão de entrar no tema,
na linguagem e na sintaxe, e apreender o significado de alguns idiomatismos.
É muito interessante! Tão exótico e mais divertido do que algumas intervenções aqui do fórum -:):
Gil — Tu sabes que eu me abrigara
a esta vida de pastor;
viera corrido à vara,
cuidei que era melhor,
que ouvira e não a provara.
Determinava-me já
d’andar com minhas ovelhas;
a conta saiu-me má;
mas «tambem cá como lá
fadas há», dizem-no as velhas.
Andei d’aquém pera além;
vi já terras e lugares,
tudo seus avessos tem:
o que não espermentares
não cuides que o sabes bem;
e às vezes, quando cuidamos
que esprimentado o já temos,
à cabra-cega jogamos.
Achei-vos cá fortes amos:
Querem que os adoremos.
Pera o mal que te acontece
buscas o amo: ora o sono,
ora al que nunca falece...
Ao trosquiar achas dono,
às pressas não te conhece.
Tudo lhes o demo deu,
té razões más que nos dão;
quando te hão mester, és seu;
quando os hás mester, és teu:
que não tens amos então.
Essa vez que saem à rua,
estremece toda a aldea;
eles bebem, homem sua.
Inda que é o dano em grosso,
fôra de dissimular
no mais, mas nisto não posso:
o entendimento, que é nosso,
não no-lo querem deixar.
Polo qual, co meu fardel
fugi das vossas aldeas;
não trago nos beiços mel,
nunca fui cresta-colmeas,
nem posso ser ministrel.
A saudade não se estrece,
mas caiu-me um coração
em sorte, que muito empece:
outro senhor não conhece,
somente a boa razão.
Porém, queixo-me-te logo
que em casos que aconteceram,
vi-me por ela no fogo;
bradei, e não me valeram
brados, queixumes, nem rogo.
Então me saí meu quedo
a quedo; e fará algum dia
o que outro não fez; e hei medo
de ver mor vingança cedo
do que já agora queria.