Entrevista a James Rickards.
Koos Jansen – Considera que haverá um colapso do sistema monetário global, acompanhado de caos social e problemas nos bancos face ao que os políticos não estão a fazer ou farão tarde demais?
James Rickards – O meu livro mais recente – The Death of Money – é, justamente, acerca da morte do dólar. Um colapso monetário global e o colapso do dólar são uma e a mesma coisa. O dólar é a chave do actual sistema, ora se o mundo deixar de ter confiança nessa chave, então, o sistema como o conhecemos entra em derrocada.
Se ocorrerão distúrbios a acompanhar esse colapso? Bem, penso que eles já estão a acontecer. Veja-se a Ucrânia, a Crimeia. A China está a enviar navios para o largo das ilhas que disputa com o Japão. Podemos ver também tensões e conflitos associados à primavera árabe por causa disso. É inegável que há sinais preocupantes em diversas regiões. Considero que os políticos vão continuar a prosseguir políticas erradas, não julgo que façam as reformas e ajustes necessários: o desemprego continua alto, o crescimento continua anémico e o perigo de deflação está à espreita. Estes fenómenos potenciam a instabilidade social, as disparidades no rendimento e riqueza. Assistiremos ao agudizar destes problemas durante o definhar do sistema.
Os bancos centrais e os governos já disseram que os maiores bancos e instituições finaceiras não podem cair. Isto impedirá, igualmente, que as correcções aconteçam. Quais são as consequências que conhecemos dessas decisões? Bom, isso convida a práticas irresponsáveis e a posturas parasitárias por parte dos banqueiros. Isso permite que eles cresçam e que destabilizem o sistema. Julgo que não veremos, para já, falências de grandes bancos, no entanto, quando o colapso acontecer alguns deles vão cair. É a própria política dos grandes demais para cair que conduz ao agravamento das disfunções no sistema e isso levará ao colapso.
KJ – Este colapso será mais severo que o anterior?
JR – O ponto que gostava de salientar, neste novo livro, é que o sistema monetário internacional já colapsou três vezes nos últimos cem anos. Em 1914, 1939 e 1971. E assim voltará a acontecer, não é nada de novo. E quando acontecer não será o fim do mundo. O que significa é que as grandes potências comerciais e financeiras se reúnem e procedem ao recomeço do sistema em novos moldes. Há, inclusive, um nome para isso: são as regras do jogo. Essa não é uma expressão cunhada por mim, ela já tem cem anos. Desse modo, as maiores potências vão reescrever as regras e o problema é o seguinte: na última crise, a FED inseriu liquidez no sistema. Dezenas de triliões de dólares em linhas de swaps foram estabelecidas entre a FED e o ECB, foram garantidos todos os depósitos, bem como os fundos nos EUA. Isso permitiu que as coisas não piorassem, mas a FED aumentou o seu balanço de 800 mil milhões para 4 triliões de dólares. Assistimos a uma crise de liquidez em 2008, mas não tivemos outra desde então. O que acontece se tivermos uma amanhã? A FED já não tem mais munições; eles não podem aumentar o balanço até aos 12 triliões de dólares.
É por isso que considero que a próxima crise será maior do que a anterior e será maior do que a FED, pois eles já destruíram o seu balanço. A única hipótese que resta é o FMI.
KJ – Considera possível que os SDR´s venham a ser a nova moeda suportada pelo ouro, como é mencionado no livro de Willem Middelkoop “The Big Reset”? E será que as moedas nacionais vão flutuar em torno desses SDR´s?
JR – Sim, há essa possibilidade. O ouro e o petróleo terão preços em SDR´s. Estes serão utilizados para a balança de pagamentos entre países, a criação de reservas e, provavelmente, nas balanças financeiras das grandes empresas. Desse modo, a Siemens, a GM ou a IBM terão declarações financeiras denominadas em SDR´s, porque são empresas globais.
KJ – Mas os SDR´s serão suportados por uma paridade fixa?
JR – Pode ser e isso é que torna as coisas interessantes. Claro que os líderes globais não querem isso. O que eles querem é um SDR´s em papel para substituir o dólar em papel. A questão é esta: será que as pessoas vão alinhar nisso? Os nossos líderes poderão ter de voltar ao ouro, não por que o queiram, mas porque precisam de restabelecer a confiança. Das hipóteses que se seguem, uma acontecerá. O projecto dos SDR´s que vão substituir o dólar já está a ser desenvolvido. Se as elites tiverem tempo – e eles precisam de dez anos –, então, eles produzirão os SDR´s em papel. Se o colapso acontecer antes, então, eles terão de se virar para o ouro. Caso insistam nos SDR´s em papel é possível que tenham de recorrer à lei marcial ou a um neo-fascismo.
KJ – Está familiarizado com a tese “ouro livre” (freegold)?
JR – Conheço, mas não sou um especialista.
KJ – Aceita a interpretação dos fenómenos económicos elaborada pela Escola Austríaca?
JR – Na minha opinião, a Escola Austríaca tem muito a oferecer, mas não possui uma explicação completa das dinâmicas do mercado de capitais. Considero-me um teórico da Complexidade e é nesta perspectiva que compreendo o mercado de capitais. A teoria tem 55 anos como ciência e é complementar à teoria austríaca, porque concorda com Hayek de que o sistema económico possui demasiados agentes autónomos, com visões divergentes para poder ser gerido e planificado centralmente. Se Mises tivesse nascido 40 anos mais tarde, teria abraçado a teoria da Complexidade.
KJ – Se fosse presidente que sistema monetário implementaria?
JR – Sou favorável ao que chamo de “rei-dólar”. Sou um americano da velha escola. Não desejo necessariamente o padrão-ouro e não quero, seguramente, os SDR´s. O que quero é o dólar como moeda de referência. Julgo que a América tem o potencial de ser uma força para o bem no mundo e, por conseguinte, o dólar como moeda padrão seria uma coisa boa. O problema é que a administração americana não concorda com isto. Eles querem um dólar fraco, não um dólar forte.
Willem Middelkoop – É por isso que começou a escrever livros? Porque se cansou de ver o modo como o dólar é gerido?
JR – Absolutamente.
JK – Não acaba por ser insustentável que uma moeda nacional seja usada como moeda de reserva internacional?
JR – Não tem de ser, embora possa ser. É o dilema de Triffin. O que Triffin disse nos anos 60 era que, caso um país emita uma moeda internacional, então tem de ter um défice nas contas correntes, porque essa é a única forma de o resto do mundo obter moeda suficiente para financiar o comércio mundial. Mas se um país mantiver défices durante muito tempo, irá à falência. Ora, após cinquenta anos, os EUA estão falidos.
Há, todavia, otro caminho: o do crescimento real sem impressão ou criação de moeda. O que há de mal com a estabilidade de preços? Porque temos de ter inflação? Deixem as pessoas ganhar os seus dólares, ou deixem os EUA manter o valor da sua moeda através de educação, inovação, crescimento, produtividade, boas políticas públicas, uma leve carga fiscal e um bom ambiente para os negócios. Estas são as maneiras de potenciar o verdadeiro crescimento, não a criação de moeda. E a resposta é crescimento verdadeiro.
KJ - Se o mundo deixar de ter confiança no dólar, será que Janet Yellen será forçada a aumentar as taxas de juro, como Paul Volcker fez nos anos 80?
JR – O problema é: como é que se aumentam taxas de juro quando estão 50 milhões de americanos nos programas sociais de senhas de comida (food stamps), 26 milhões de desempregados, 11 milhões de incapacitados permanentes. O meu ponto é o seguinte: dados os sinais graves de fraqueza económica, dados os impulsos deflacionários, dado o desemprego, como é que se podem aumentar taxas de juro? Seja como for, o mercado vai acabar por impulsionar esse aumento nos juros, de uma maneira que a FED não poderá controlar. Nesse momento, quem sabe, podemos assistir à reestruturação da dívida no mercado obrigacionista.
KJ – Mais programas de estímulos (QE)?
JR – Mais estímulos e a FED pode intensificar a repressão financeira. Porque é que os juros não subiram até aqui? Por causa dessa repressão fianceira. Se houver uma perda de confiança e o mercado fizer subir as taxas, a FED vai optar pela repressão, criando moeda. O que acentuará a erosão da confiança. Isso terá visibilidade no mercado de transacções internacional, terá visibilidade no preço do ouro e nas taxas de juro.
Muitas destas coisas acontecerão rapidamente, não se desenvolvem num só dia, mas podemos antecipar que algo vai acontecer quando o preço do ouro tiver oscilações na ordem dos cem dólares por dia. Vamos ouvir as pessoas dizer que é uma bolha, mas não é, claramente, uma bolha. Antes, representa um sinal de pânico. De seguida, podemos assistir a subidas de 500 dólares por dia. Repare que me refiro ao preço do ouro. Para mim, o ouro é uma constante. O preço do ouro é apenas o inverso do valor do dólar. Se o ouro sobe, o que se passa é que o dólar está a definhar. Se assistirmos a um salto importante no preço do ouro, o que isso nos diz é que o dólar está em declínio. Mesmo que a FED esteja a reprimir as taxas de juro, o ouro dirá quando o dólar vai estourar.
WM – É por isso que o preço do ouro tem de ser controlado.
JR – Sim, mas importa dizer algumas coisas acerca disso. A FED, neste momento, até quer o preço do ouro mais elevado. Não esqueçamos que, presentemente, o problema é a deflação, não a inflação. A FED quer inflação, ainda que controlada, mas não a consegue ter. Como é que se obtém inflação? Têm de se mudar as expectativas. Assim, permitir a subida do preço do ouro pode ajudar a aumentar essas expectativas quanto à inflação: estimula-se o consumo e o crédito. É isso que a Fed quer. Onde eles se enganaram é que pensaram que podem controlar as coisas com precisão. Foi o que fizeram em 2011 quando o ouro subiu aos 1900 dólares/oz. A FED temeu que chegasse aos 2000 dólares, que é uma importante barreira psicológica, e tiveram de intervir. Neste momento estou em crer que a FED não está a fazer o que quer que seja para suprimir o preço do ouro. A China, por seu lado, pode estar.
KJ – Esteve a China por detrás do declínio orquestrado do ouro em Abril de 2013? Ou foi uma colaboração entre a China e os EUA? Terá sido possível o seguinte cenário: a China apoia o dólar e, em troca, pode comprar ouro físico a preços incrivelmente baixos?
JR – Deixe-me dizer-lhe o que eu sei e o que não sei. Quando se é detective e se procura um criminoso, procura-se o motivo. Por isso, quem beneficiou com a queda do preço? A China – eles são provavelmente a parte interessada.
Tenho conhecimento seguro de que o SAFE – fundo de investimento que gere as reservas em nome do banco central chinês (PBOC) – comprou 600 toneladas de ouro físico entre Jubho e Julho de 2013. Sei disto através da Perth Mint (refinaria australiana – nt) e de alguns revendedores chineses. Neste momento o ouro está no balanço do SAFE, mas pode ser transferido para o balanço do banco central, como aconteceu em 2009.
Não posso afirmar que tenha sido a China a causar a queda no preço, ainda que suspeite disso. Todavia, tenho a certeza de que beneficiou disso. E continua a beneficiar da continuação deste preço baixo, porque quer comprar mais. Eles sabem que haverá inflação nos EUA e querem protecção face a esse risco. Essa é uma das razões por que estão a comprar ouro físico. A ideia de um renminbi ser apoiado em ouro, na minha opinião, não faz sentido.
A China tem 4 triliões de dólares em reservas, pelo que a sua preferência é um dólar estável. Se os EUA desvalorizarem o dólar em 10% isso representaria uma transferência de riqueza de 400 mil milhões de dólares da China para os EUA. A cobertura para esse risco é o ouro, se o dólar cair, o ouro vai subir.
KJ – A China sabe que os EUA precisam de desvalorizar o dólar?
JR – Correcto.
KJ – O SAFE compra o seu ouro através da plataforma de compras de Xangai?
JR – Eles têm vários meios.
KJ – Como será o poder distribuído na Ásia depois da reorganização monetária?
JR – Será baseado no ouro. Muitos analistas compreendem o ouro como uma parte importante das reservas, o que penso ser irrelevante. Nos EUA, o ouro representa 70% das reservas, mas os EUA podem imprimir moeda e não precisam de euros ou francos suíços. Uma outra forma de entender isto é comparar a quantidade de ouro face à dimensão da economia em termos de PIB. A Rússia está a par com os EUA. A China precisa de, pelo menos, 4500 toneladas para alcançar a paridade com os EUA.
No sexto capítulo do meu novo livro, escrevo acerca da Organização de Cooperação de Xangai. Não é bem um tratado, mas um conjunto de procedimentos para a cooperação entre países em toda a Ásia. Este é o primeiro lugar para se estabelecer a cooperação entre a Rússia e a China e a determinação da sua oposição conjunta face a Washington. Eventualmente, teremos dois impérios na Ásia. Por um lado, teremos a Rússia, a Europa de Leste e a Ásia Central. A China terá outro império que se estenderá pelo continente e a sua periferia.
KJ – Todas as exportações de ouro para a China são em barras de 1 quilo e pureza 9999. Os estados do Golfo estão a refinar as suas barras de 400 onças LGD (London Good Delivery) para as transformar em barras de 1 quilo e pureza 9999, igualmente. O que pensa disto?
JR – Do meu ponto de vista, essas especificações serão o novo padrão para entregas internacionais. Vamos olhar para trás, daqui a uns anos, e vamos estranhar a escolha das barras de 400 onças (12, 440 gramas). A história dessa opção é interessante. Essas barras foram feitas propositadamente para que o indivíduo comum não as pudesse ter – foram feitas a pensar nos bancos centrais e em indivíduos muito ricos. Em 1910, as pessoas pagavam bens e serviços em moedas de ouro e os bancos centrais quiseram, a pouco e pouco, acabar com as moedas de ouro, levando as pessoas a favorecer os certificados em papel. O que deu aos bancos centrais muita flexibilidade.
KJ – Será que o banco central alemão conseguirá reaver o ouro que tem nos EUA?
JR – O que muitas pessoas parecem não entender é que o banco central alemão não quer o seu ouro de volta. A razão pela qual os alemães o querem em Nova Iorque é poderem participar na manipulação do preço. Não esqueçamos que Londres e Nova Iorque são os mercados para o empréstimo e hipoteca internacional do ouro, Francoforte não. Por cada tonelada que se retire de Nova Iorque, há 10 toneladas de oferta sintética (em papel, em contratos de futuros – nt) que é necessário saldar. É por isso que eles vão levar oito anos para efectuar esse repatriamento e estão a fazê-lo em tranches. Não há muito empréstimo desta natureza na China. Os bancos centrais são capazes de suprimir o preço do ouro através dessas operações hipotecárias em Nova Iorque. Por exemplo, o SAFE pode pedir à JPMorgan que hipoteque algum do seu ouro, que está parcialmente guardado em Nova Iorque.
KJ – Estará a NSA envolvida em guerrilha financeira?
JR – Que eu saiba, não.
WM – Conheço alguns americanos abastados que estão a tomar medidas – obtenção de segundo passaporte e a movimentar o dinheiro para o estrangeiro. Vê o mesmo fenómeno?
JR – Sim, muitas vezes. Há multimilionários que estão a construir cofres nas suas propriedades, porque não confiam noutros destinos para as suas fortunas.
WM – O que é que isso lhe diz?
JR – Diz-me que estão a ver o que eu vejo, mas não estão dispostos a falar sobre isso. Estão a preparar-se para o que aí vem. Mas, para já, tiram proveito da actual situação.
WM – Que parte das suas actividades mais aprecia?
JR – Escrever. Por isso, escrevi dois livros e estou a começar o terceiro. Será, talvez, uma série de quatro livros. Veremos.
KJ – Aguardemos pelos livros, então. Muito obrigado pela entrevista.