Estou ligado a comunidades científicas nas quais é normal um estudante receber uma bolsa do Estado - da FCT em Portugal. E o que é que o estudante produz? Ele é avaliado no seu doutoramento pelos papers e comunicações em conferência que publica. Esses papers contribuem muito para o prestígio do país. Bom, eu até prefiro exprimir doutra maneira: a existência desses papers contribui para que o prestígio do país seja algum em vez de uma desgraça, que era o que seria se não os nossos pesquisadores não publicassem papers.
Este benefício para o país é independente de o trabalho desenvolvido nesses papers vir ou não vir a ser útil para o desenvolvimento de alguma tecnologia ou patente. Isso será um beneficio adicional, mas só acontecerá com uma minoria deles. Para a maioria dos papers, o que eles fazem é contribuir para a formação da pessoa e para a imagem do país.
Nem quero acreditar no que sucederia a este sistema todo se passasse a depender de consignações voluntárias.
Não te parece portanto que existam pessoas em Portugal para pagar as poucas centenas de milhões que isso custa, no máximo?
Parece-me que quando não há defesa possível para algo, se puxa pelo "prestígio". Se falta alguma coisa a essas áreas, façam marketing para captar os recursos.
Artes, literatura, etc, claramente não precisam de apoio nenhum para sobreviverem. Existem por todo o mundo sem apoios. A literatura, aliás, com o self-publishing está até a aumentar exponencialmente.
O país ser laughing stock ou chacota não chega a ser argumento. Não é certamente um argumento válido para retirar 1% da vida a alguém, para escravizar alguém durante 1% da sua vida.
Os recursos para essas áreas devem competir com todas as outras pelo interesse das pessoas. Ninguém deve nascer com o direito de escravizar as outras pessoas aos seus interesses.
Se essas áreas têm a importância que lhes dás (e com algumas até concordo), então certamente que as pessoas conseguirão voluntariamente libertar-se de parte da sua produção em seu favor. Se não o fazem, também não merecem que os seus interesses existam. Principalmente se a única forma que encontram para os avançar é retirar aos outros para não prescindirem os próprios.
"Não te parece portanto que existam pessoas em Portugal para pagar as poucas centenas de milhões que isso custa, no máximo?"
Até pode haver para mais, mas alocariam o capital ao sabor das modas, ele ficaria mal alocado. O que sugerias? Que consignassem para todo o sistema de bolsas em conjunto? Nesse caso poderiam consignar ou $$ a menos (e as bolsas, tão necessárias, escasseariam) ou $$ a mais (e haveria estudantes da treta a ganharem bolsas inutilmente). A alocação de recursos que é feita por autoridades centrais (neste caso a FCT e o Min.Universidades) pode também ser imperfeita, mas não tão imperfeita como se for o povo todo a decidir com umas cruzes num questionário de IRS.
Uma outra versão era as pessoas consignarem para áreas específicas. O resultado seriam problemas ainda piores. Uma série de áreas muito necessárias poderiam ficar sem $$ e outras com $$ a mais -- como bolsas para música pimba e para teses de biologia criacionista. Por ex, nos EUA podes ter a certeza de que choveriam biliões para apoiar os criacionistas.
Como é que endereças as preocupações que eu exprimo acima?
"O país ser laughing stock ou chacota não chega a ser argumento. Não é certamente um argumento válido para retirar 1% da vida a alguém, para escravizar alguém durante 1% da sua vida. "
Peço desculpa, mas a
tua frase é que não chega a ser argumento. Olha lá para ela outra vez. O que dizes é que uma coisa não é argumento válido porque sim, porque tu achas.
A ideia de que evitar que o país seja alvo de chacota por mostrar fraca performance na cultura ou outra coisa qq é um objectivo importante é obviamente válida, pois se um país for alvo de chacota: 1) os seus cidadãos sentem-se pior em contextos internacionais -- isso pode ver-se quer em participações em conferências quer no tratamento recebido por emigrantes lá fora. 2) No mercado financeiro poder-se-á pagar, pois os ratings dependem muito da percepção cultural de um país, ou não ouviríamos tanto falar de Club Med, de Asiáticos, de BRICS e outras categorias do género. E certamente por outras razões, não vale a pena eu tentar enunciar muitas mais. Se o prestígio não tivesse valor nenhum, as empresas não investiam em publicidade para melhorar o seu. Mesmo países tendem a gerir a "marca" do país, como sabes. Falou-se da marca Allgarve, e da marca Portugal mais de uma vez.