Usar a Islândia como exemplo do sucesso das políticas anti-austeridade deve ser feito como muitas pitadas de sal.
Para além de ser tratar de um país com pouco mais de 300 mil habitantes que antes da crise:
- apresentava à vários anos superavit das contas públicas;
- cuja dívida pública era pouco mais do que 20% do PIB;
- cuja "crise" resultou da falência dos 3 bancos principais (que acumularam dívida externa no montante 10 vezes o PIB do país).
O default (na dívida externa), a desvalorização, o controlo de capitais e o empréstimo do FMI ajudaram a minimizar os impactos na economia. Sem sombra de dúvida. Desde logo porque o país deixou de ter encargos com 85 mil milhões de dívida que repudiou. E havia alternativa? Podia o governo assumir as dívidas dos bancos no montante de 10 vezes o valor do PIB?
Após o empréstimo do FMI a dívida pública passou para cerca de 100% do PIB. Ou seja, a base de que a Islândia partiu (superavit contas públicas, dívida pública muito reduzida) permitiu ao governo intervir no período recessivo. Este sim, um exemplo que deixaria Keynes feliz.
Mas o sucesso relativo face a outros países em dificuldade ainda pode sofrer solavancos. Afinal só agora, sete anos depois, começam a dar os primeiros passos no levantamento do controlo de capitais. E com eles podem vir um enxurrada de processos judiciais dos credores externos. E o dinheiro que ficou na Islândia poderá sair assim que possível. Implementar controlo de capitais é muito mais fácil do que terminá-lo.
Mas para além disso, o governo teve coragem de tomar medidas de austeridade (afinal o FMI não empresta dinheiro sem as mesmas):
- o déficit público que resultou da intervenção estatal em 2008-2011 da crise está em clara trajectória positiva;
- a taxa de imposto sobre lucros das empresas subiu de 18% (2006) para 20% (2014);
- a taxa marginal de imposto sobre rendimentos individuais subiu de 38,7% (2006) para 46,22% (2014);
- a taxa de contribuição para a segurança social subiu de 13,8% (2006) para 15,79% (2014);
- a idade da reforma é 67 anos à bastante tempo.
A mesma receita aplicada a todos os países não funciona. Na Grécia, Irlanda e Portugal os problemas e causas da crise são distintas. A base económica é muito diversa. O enquadramento social e politico também.
E se a Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tivessem optado pelo default, controlo de capitais e desvalorização cambial (saída do euro)? O impacto no resto "mundo" não seria exactamente o mesmo do que foi o impacto destas medidas na Islândia. É o "to-big-to-fail" aplicado aos países.
Se a receita funcionasse sempre, as economias das América Latina estariam muito mais desenvolvidas do que estão. Afinal desvalorizações, defaults e controlo de capitais são palavras muito familiares do outro lado do Atlântico Sul.