Escrevi em posts anteriores que nova lei de resgates bancários, Europa estava a passar da dicotomia estado-privado, para um terno estado-banca-resto do privado.
No início parecia-me um passo perigoso que ia dar demasiados privilegios á banca, mas pensando melhor começo a aderir á ideia.
No caso de uma empresa não bancária, legalmente insolvência pode ser declarada quando capital próprio passar a negativo. Pode acontecer empresa continuar a operar com capitais próprios negativos (creio que os 3 grandes do futebol estão nessa situação), mas situação não se pode prolongar ad-eternum e legalmente insolvência pode ser declarada.
No caso da banca é diferente porque outorga de licença bancária requer racios mínimos e definição de insolvência fica mais nubelosa, e dependente da interpretação do regulador. Pode achar que fica insolvente logo que baixar os racios e retirar imediatamente licença, pode ser um pouco mais paciente a ver se recupera etc.
Mas considerando que logo que baixe os racios pode retirar licença e intervencionar o banco, podemos ter 3 tipos de actuação com grau de dureza decrescente no que respeita a accionistas.
1) Logo que supervisor revogue a licença bancária por incumprimento dos racios, accionistas são expulsos e perdem todo o capital que ainda tem no banco.
Por exemplo se racios exigirem um core tier equity (há algumas diferenças mas anda proximo do capital proprio) de 5bilioes, e banco tem 3 bilioes (que se pode considerar que é o valor do qual os accionistas são credores), regulador intervem e accionistas perdem os 3 bilioes.
É uma medida dura mas se estiver na lei há que cumpri-la.
2) ) Supervisor revoga a licença bancária por incumprimento dos racios, accionistas são expulsos mas levam o capital que é deles. No caso dos 5 bilioes requeridos e 3bilioes existentes, accionistas são expulsos e levam os 3bilioes que lhes pertencem (a posteriori porque o valor tem de ser apurado por entidade independente). Neste caso accionistas perdem os prejuizos que causaram, mas tem de abandonar o banco.
3) Quando não se cumpre os racios e accionistas não conseguem levantar capital adicional, entra o tal fundo de recapitalização ou estado que mete capital necessário e posição dos accionistas fica reduzida na devida proporção. Accionistas perdem nominalmente o equivalente aos prejuizos que causaram mas não são expulsos. Considera-se também que na fase de reestruturação o supervisor tem controlo. Neste caso dos 5-3 bilioes se inicialmente accionistas tinham la posto os 5 bilioes de capital e core equity só vale 3 biliões, capital deles passa a 3 bilioes e passam a ser credores de apenas esses 3 bilioes (nominalmente perdem 40%)
Em termos comportamentais as coisas complicam-se bastante se numa estrutura accionista dispersa, actuação da gestão não coincidir necessariamente com a dos accionistas ou houver algum grupo de controlo que tenha interesses divergentes dos minoritários mas não vamos complicar.
Quanto mais duras as penalidades maior será o incentivo para cumprir, excepto quando se passa o limiar do não retorno em que quanto maior for aquilo que se pode perder mais numerosas serão as medidas de desespero de quem já não tem mais a perder.
No caso de 1) a actuação será muito responsavel enquanto coisas correrem bem (porque há muito a perder) mas se por exemplo num ano o racio vier para 4,5 bilioes e se anteveja uma recuperação dificil, haverá toda a tentação de manipular as contas para mostrar 5 bilioes (e se necessidades de manipulação não forem hiperbolicas será facil enganar auditores), e fcar com mais algum tempo para perpetuar um saque gigantesco até á expulsão. Com a diferença de que as acções de RS não iam ao encontro dos interesses da maioria dos accionistas, esse foi o comportamento do RS no ultimo trimestre.
O caso 2) é uma situação intermédia enquanto o caso 3) em que há responsabilização pelas perdas mas ao mesmo tempo uma atitude de cooperação.
No caso de 1) os falhanços serão os menos numerosos mas cada vez que ocorrerem o estrondo será enorme. O caso de 3) terá certamente o maior nº de falhanços mas dimensão será a mais reduzida.
A proposta europeia para lidar com insolvencia na banca, deve ter estudado isso e enquadra-se no caso 3). Com a diferença de que as chamadas internas para recapitalização não se restringem aos accionistas, procura-se uma solução que comece com as disponibilidades internas (accionistas, subordinadas, …), e só depois entra o fundo de resolução e só mesmo no final mesmo pode ainda entrar estado (depois de se verificar que necessidades de recapitalização varreram accionistas e credores subordinados).
Paradoxalmente solução do BdP para o BES parece seguir um raciocinio oposto. Divide o banco em 2, mas em vez de o segundo ser (como nas soluções sueca de 90 ou americana de 2008) uma entidade para gestão de activos tóxico, mistura activos com capital de antigos accionistas e subordinadas (originalidade portuguesa). Ou seja arbitrariamente decreta que aquilo que é propriedade dos accionistas (e credores de subordinadas) é o que é mau. Tudo o que é bom (que também de deve ao trabalho das anterior administrações) é roubado e entregue a um fundo. No meio disto tudo e na ânsia de entregar banco a novos accionistas BdP nem sequer tenta um bail-in. Parece que há necessidade de executar o BES antes que novas directivas euroeias entrem em vigor.
Se fizermos umas contas acerca de como isso deveria ser feito á luz das futuras directivas europeias, temos:
Ultimo relatorio aponta para core equity de 3bilioes e subordinadas de 1 biliao (mais ou menos).
Esses valores (o da core equity) deveriam ser sujeitos a rectificações posteriores por entidades independentes, mas admitindo-os certos temos que
Capital é de cerca de 6bilioes core equity de 3 bilioes, capital dos accionistas passa para 3 bilioes (perdem 50%). Mais tarde com apuramento de entidade independente valor poderá ser corrigido.
Está abaixo dos racio que exigem 5 bilioes, subordinadas são convertidas em capital e capital passa a 4 bilioes (nominalmente obrigacionistas não perdem).
Ainda não de chegou aos 5 bilioes fundo entra com 1 biliao.
Isso resolve estrutura de capital mas se houver problemas de liquidez fundo pode fazer emprestimo parte do qual será convertido em capital se se chegar á conclusão que core equity estava abaixo dos 3bilioes.
Pelo que eu percebi seria essa a solução num bail-in
Os 3 bilioes de core equity não incluiam a possibilidade de incumprimento angolano. Fazendo uma provisão de 100% (3,3 bilioes) para isso, core equity fica negativa em -300 milhoes, e:
accionistas perdem tudo, são excluidos
credores de subordinadas veem creditos convertidos em 700 milhoes de capital (haircut de 30%)
Fundo entra com 4,3 bilioes.
se mais tarde se verificasse que Angola tinha pago, teria de haver indemnizações.
Se core equity fosse negativo e mais de 1000 milhões, quer accionistas quer credores de subordinadas perdiam tudo.
É possivel que governador tenha conhecimento disso, mas nesse caso a ata de criação do novo banco tem informação falsa e assinada pelo governador, vice-governador etc
Porquê a insistência do BdP em fazer diferente?
A informação para procedimentos de bail-in ainda é bastante parcelar. Alguém tem informação adicional que permita entendimento diferente?