Liquidez VS Solvabilidade

Da Thinkfn

Liquidez vs Solvabilidade

Uma questão de se que tem falado bastante nas últimas semanas, é de que a crise presente poderá não ser uma crise de liquidez, e sim de solvabilidade.

Porém, raramente essa afirmação traz junto uma explicação do que querem dizer, e qual a relevância no contexto presente.

Servirá este artigo para esclarecer essa questão em particular, tanto no que concerne a empresas não-financeiras, como no âmbito da crise financeira actual.

Empresas não-financeiras

Comecemos pelas não-financeiras com uma constatação simples: A maior parte das insolvências (falências) dão-se por falta de liquidez e não por insolvência técnica (situação líquida negativa). Porque é que isto acontece? Acontece porque o momento em que é pedida a falência de uma empresa é invariavelmente o momento em que esta falha um pagamento em dinheiro a alguém (um fornecedor/credor), e isso resulta de não possuir dinheiro para o fazer, e não necessariamente de não possuir activos.

Logo, a questão de como liquidar os activos, e até que ponto é que eles são liquidáveis, é muito relevante. Daí que existam vários negócios cujo objectivo é simplesmente dar liquidez a activos ilíquidos. Desde esquemas financeiros em que uma empresa vende o seu imobilizado e executa um leaseback sobre este, até ao factoring de contas cliente.

Assim, também se constata que muitas falências ocorrem quando as empresas têm ainda uma situação líquida positiva (casos por exemplo da Worldcom, da Kmart, etc). Isto no mercado de capitais é imediatamente perigoso, pois à beira da falência a empresa apresentará um Price/Book value extremamente baixo, o que pode atrair “value investors”. Logo, qualquer análise de situações críticas tem que passar pela capacidade da empresa satisfazer as suas responsabilidades no curto prazo, comparando necessidades de liquidez de curto prazo (passivo circulante) com fontes de liquidez de curto prazo (activo circulante).

A situação presente

A situação presente é algo diferente do debatido para as empresas não-financeiras. Isto, porque os bancos podem pedir dinheiro emprestado aos bancos centrais, mediante a entrega de activos. Logo, desde que os bancos centrais sejam flexíveis, os bancos conseguem transformar em liquidez uma parte muito grande do seu activo mesmo sem efectuar vendas de activos em mercado nenhum, e logo, não se sujeitando a preços desfavoráveis nem à inexistência de compradores.

Assim, qualquer crise de falta de liquidez, desde que exista boa vontade dos bancos centrais, parece fácil de ultrapassar.

Porém, há aqui um problema novo. Os activos que são entregues aos bancos centrais no mercado estão a perder valor, e estão a perder valor porque o incumprimento está a aumentar rapidamente. Ao perderem valor sujeitam os bancos a perdas, e essas perdas diminuem a situação líquida dos bancos.

Para que os bancos possam confiar uns nos outros, existem regras a nível mundial sobre os níveis de solvabilidade que cada banco tem que manter, e essas perdas ao ameaçarem esses níveis, obrigam os bancos a ter que captar capital ou a enfrentarem uma crise de solvabilidade em que são obrigados a diminuir o seu balanço.

Ao contrário da crise de liquidez, que pode ser combatida sem vender activos, porque estes são simplesmente entregues como colateral para obter empréstimos junto dos bancos centrais, esta crise de solvabilidade como se vê OBRIGA à venda de activos.

E claro, esses activos são agora vendidos em mercados desfavoráveis.

Esta questão da solvabilidade é que leva a pensar quais serão as medidas seguintes dos bancos centrais. Teoricamente, embora os bancos centrais possam providenciar liquidez, não podem providenciar capital. Porém, existem algumas formas camufladas de providenciar capital, como aquela que agora está a ser implementada das Term Auction Facilities (TAF) que providenciam liquidez abaixo das taxas de mercado. Financiar abaixo das taxas de mercado é dar dinheiro, do ponto de vista que os bancos podem arbitrar esse dinheiro e ganhar o diferencial. Logo, parece ser uma primeira tentativa camuflada de providenciar capital. Penso que ainda veremos tentativas bastante mais directas e transparentes (o que é extraordinariamente injusto, mas isso já é outra história).


Autor

Incognitus, em 2008-02-13

Comentários

Este artigo pode ser comentado no fórum neste tópico.

Disclaimer

Este comentário é um artigo de opinião e nunca uma recomendação de compra ou venda. Alerta-se ainda que a compra ou venda é da responsabilidade do investidor bem como o lucro ou perda daí existente. O Autor pode ter, e provavelmente tem, posições nos títulos referidos neste artigo. Em caso de dúvidas, deverá o investidor procurar um intermediário financeiro, a Euronext, ou a CMVM.