Procurando valor - Caso prático

Da Thinkfn
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300px Este artigo vai abordar um caso prático na procura de acções subavaliadas e esquecidas, com potencial de subida. Servirá assim para juntar uma série de conceitos e ferramentas num processo para se chegar a títulos específicos. Obviamente, muitos outros caminhos existirão para o mesmo objectivo, este é apenas um, neste caso um que eu segui e que resultou na compra de um título específico.

Diminuir o Universo de escolhas possíveis.

Existem, nos Estados Unidos, dezenas de milhares de empresas cotadas, em vários mercados (NYSE, Nasdaq, AMEX, OTC:BB, etc). Quando partimos à procura de candidatos à tomada de posições numa óptica de valor, temos que arranjar uma forma de diminuir esse universo para uma amostra de candidatos potenciais mais fácil de ser investigada.

É aqui que entram os chamados “screeners”, que são filtros nos quais introduzimos critérios, e que uma vez aplicados ao universo das acções existentes, só retornam aquelas que cumprem os critérios.

O tópico dos “screeners” já foi abordado por Ming neste seu artigo: Porquê investir em acções dos EUA (IV)

No caso presente, o screener por mim utilizado foi o do Yahoo Finance( http://screen.finance.yahoo.com/newscreener.html ), que considero ser um dos melhores por incluir muitas medidas relacionadas com o “Enterprise value”.

Quando lançamos um screener, temos depois que introduzir critérios. As combinações de critérios são praticamente infinitas, mas neste dia eu apenas procurava por oportunidades baratas do ponto de vista do “Free Cash Flow”, quando comparado ao “Enterprise Value” (o valor da empresa, simplisticamente significando a Capitalização Bolsista somada à Dívida Líquida).

Se uma empresa gera por ano 10% ou mais daquilo que vale, e se existir razão para crer que o dinheiro que essa empresa gera se vai manter estável ou crescer, então obviamente essa empresa está barata e tenderá a subir.

Neste caso, introduzi apenas dois critérios:

“Entity Value / Free Cash Flow <= 10” (para que o yield do cash flow seja superior a 10%)

“Entity Value / Revenues (ttm) <= 0.4” (para que as empresas resultantes também estivessem baratas face às suas vendas)

O screener com estes critérios identificou cerca de 100 acções diferentes. Poderíamos pensar “ah, 100 empresas baratas!”. Mas não, o trabalho apenas começou. Existem muitas razões para que dentro dessas 100, quase todas venham a ser descartadas manualmente, uma a uma, tais como:

  • Os números que serviram de base ao screener para fazerem a filtragem estavam errados. Isto é muito mais frequente do que possa parecer,
  • As empresas que aparecem, viram os seus fundamentais deteriorarem-se muito recentemente e é por essa razão que passam nos filtros.
  • Existem razões para que, mesmo sendo os números correctos, e não se tendo deteriorado os fundamentais, as empresas em questão possam ser investimentos questionáveis (por exemplo, exposição a acções legais tipo Amianto/Asbestos, fim de contratos importantes num futuro próximo mas que ainda não aconteceram, etc).
  • As empresas em questão podem ser fortemente cíclicas, e o seu ciclo estar no topo, caso em que tendem a transaccionar com múltiplos anormalmente baixos (aparentando, erradamente, estarem baratas). A este propósito vide o artigo Trading - Acções cíclicas.

Estas, e muito outras razões, são o motivo pelo qual tem agora que ser feita uma triagem manual das possíveis oportunidades encontradas, o que constitui o próximo passo.

Triagem manual das Oportunidades potenciais.

Pelos motivos já descritos no ponto anterior acerca das fraquezas das filtragens, e também porque todas as oportunidades de investimento carecem de pelo menos alguma análise qualitativa, torna-se necessário, após obter um conjunto de oportunidades, de as consultar uma a uma.

Uma coisa em que o screener do Yahoo Finance é bastante útil, é que o ticker de cada acção identificada funciona como link para a página do Yahoo Finance sobre essa empresa. Isso permite logo rapidamente termos uma ideia rápida sobre a empresa, lendo o seu “profile”, vendo os movimentos dos insiders, dando uma vista rápida no gráfico da empresa para identificar a sua tendência, visitando o site da empresa (disponível regra geral num link dentro do “profile”), consultando alguns números importantes em “Key Statistics” ou estimativas de analistas e a sua tendência e verificando as últimas notícias da empresa (com um sempre útil arquivo), para além de ser possível ver, no “message board” (fórum) da empresa se há algum tema que esteja a ser mais discutido.

Este uso do Yahoo Finance, ainda que superficial, permite desde logo descartar muitas empresas quer por não nos interessar o sector ou actividade, quer por problemas evidentes que se descobrem nas notícias, números, fórum, etc.

Depois, para as que sobrevivem a esse teste inicial, começa um trabalho mais profundo. Antes de tudo, uma coisa a que eu costumo prestar atenção, é se nos últimos 1-2 trimestres existiu alguma pista de melhoria da actividade da empresa, particularmente nas que só estão baratas porque cairam muito (por oposição às que estão baratas porque ficaram quietas ou subiram pouco – por serem desconhecidas). É bastante desinteressante toda a empresa que, não estando incrivelmente barata, tenha um decrescimento de actividade e nenhuma perspectiva fácil de identificar de mudança dessa tendência decrescente, por exemplo.

Passado este ponto, convém então começar a ler relatórios SEC sobre as empresas que ainda estamos a considerar (vide função "Relatórios" na Homepage). Nestes relatórios vamos, por exemplo, confirmar se os números que levaram a empresa a passar no “screening” são reais.

Vamos apurar a capitalização bolsista do título usando as “diluted shares” presentes num 10-Q ou 10-K, e multiplicando-as pela cotação presente.

E vamos apurar toda a dívida existente somando short term debt, long term debt, todas as emissões obrigaccionistas, todas as acções preferenciais, e se forem leasings de capital, todos os leasings presentes no balanço. E subtraindo cash, short term investments e long term investments (na parte que seja identificável como títulos negociáveis). Chegamos assim à dívida líquida.

Podemos ainda ter que procurar participações minoritárias de que a empresa seja possuidora, e também possíveis activos não operacionais que possam ter um valor e probabilidade de serem vendidos. Se os acharmos, também retiraríamos o seu valor à Dívida Líquida.

Depois, com a soma da capitalização bolsista, com os interesses minoritários, com essa dívida líquida (que poderá ser negativa se a empresa tiver mais cash que dívida), chegamos ao Enterprise value da Empresa.

Vamos agora debruçar-nos sobre a rendibilidade da empresa. O que nós procuramos obter é o EBITDA, e para tal uma forma simples será somar o Resultado Operacional (income from operations) tirado da demonstração de resultados (Statment of Operations), e soma-lo às amortizações, retiradas do mapa de cash flows (Statment of Cash Flows), tendo o cuidado de que muitas vezes este último mapa respeita a um período diferente do anterior (tipo, os resultados serem referentes a 1 trimestre, e o mapa dos cash flows a 6 meses ou 9). É preciso ainda corrigir o Resultado Operacional por todas as charges (perdas extraordinárias) que o afectem (e que tanto podem estar em custos operacionais como a afectar a margem bruta). Diga-se que se demasiadas correcções forem necessárias, a empresa provavelmente é desinteressante (quem dá demasiadas cambalhotas contabilísticas, raramente é de confiar).

Tendo nós o EBITDA, uma forma de calcular um Free Cash Flow - FCF (dinheiro que a empresa gera em velocidade de cruzeiro) relativamente simplificada, é descobrir o capex a partir do mapa de cash flows (Statment of Cash Flows). Estará debaixo do nome “Purchases of property, plant and equipment”. Vamos aqui ignorar alterações de rúbricas do balanço que afectem o cash flow, tanto positiva como negativamente, mas é importante levar em conta se o capex que acabámos de apurar é relativamente “normal”.

Tendo nós o Enterprise Value (EV), EBITDA e FCF obtidos dos relatórios da SEC (por vezes, teremos que saber que a empresa tem sazonalidade ao longo do ano, ou se permite por exemplo multiplicar por 2 os números de 6 meses sem introduzir demasiado erro), já podemos construir múltiplos para a empresa, confirmando ou desmentindo o que o screener nos tinha dito.

Obviamente, se após estes passos todos chegarmos a empresas em que o EV/FCF é inferior a 10, e existem razões para acreditar que o EBITDA ou FCF tenderão a ser estáveis ou crescentes, já sabemos que achamos uma pechincha.

De seguida, a análise qualitativa dessa pechincha toma lugar. Teremos que fazer-nos perguntas e procurar as respostas. Perguntas como:

  • Será a actividade muito cíclica?
  • Será que existe alguma ameaça óbvia aos números que acabei de ver?
  • Existe algum catalisador para chamar a atenção do mercado, para lá da subavaliação propriamente dita?
  • Etc, etc.

Se as respostas a estas perguntas nos satisfizerem, então estamos perante uma acção que pode fazer sentido comprar, particularmente se já se encontrar numa tendência ascendente óbvia no seu gráfico. Note-se que até a saída de resultados acima das expectativas, ou crescimentos superiores numa empresa não seguida por ninguém e que já esteja barata, são catalisadores suficientes numa empresa barata. Aliás, até se esses fenómenos se deram um ou dois meses antes, se podem considerar catalisadores, isto porque quando empresas estupidamente baratas começam a subir, normalmente não param “ainda baratas”.

O que fazer a seguir?

A seguir a identificarmos uma empresa na qual pensamos investir, temos que definir o quanto e o quando.

O quanto, deve acima de tudo levar em conta a qualidade da oportunidade detectada e a sua subavaliação, bem como a sua liquidez. Mas, levados em conta todos estes pontos, mesmo assim não é prudente uma exposição anormal (mais que 20% da carteira ou algo do género), senão qualquer pequena queda do investimento gerará angústia e a possibilidade de gerar erros de trading. Isto é algo já abordado neste artigo: Erros Típicos, Solução Atípica

O quando, pode levar em conta factores técnicos. E se a acção está num uptrend forte e já muito esticado, pode valer a pena esperar uma pequena correcção para comprar com menos risco. Se está num downtrend forte e continuado, pode valer a pena esperar por um dia de exaustão na queda, mais forte e rápido. Mas fica ao critério de cada um.


E qual o papel que escolhi usando este processo?

Este processo que descrevi, levou-me, de uma forma curiosa, a SAFY (ver artigo SAFY - Escondida e Barata ). Mas não directamente. O screening inicial possuia entre os candidatos a Zapata (ZAP).

Depois, já na fase de triagem manual, ao ler os relatórios da ZAP, descobri que ela era essencialmente uma holding com 2 participadas e dinheiro. Obviamente, o estar barata dependia das participadas (e do dinheiro), Como a ZAP estava barata, e uma das participadas estava razoável, a outra tinha que estar muito barata. A outra era a SAFY. Fui então ler os relatórios da SAFY.

O que encontrei foi (EBITDA e Capex derivados de números de 9 meses x 4/3):

  • EBITDA de aproximadamente 29.93mn USD;
  • Capex de aproximadamente 6.27mn USD;
  • FCF simples de aproximadamente23.672mn USD;
  • Dívida Líquida de 7.5mn USD;
  • Capitalização Bolsista baseada em 5.3mn Acções, a 13.80 USD dava 73.14mn USD;
  • Logo, o EV = 73.14 + 7.5 = 80.64mn
  • E o EV/FCF = 80.64mn / 23.672mn = 3.41, o que era incrivelmente barato.

Assim, após uma breve análise qualitativa que identificou alguma ameaça por parte da subida dos preços das commodities, algum benefício da queda do dólar, e alguma ciclicidade do mercado automóvel, ainda assim o múltiplo EV/FCF parecia aberrante, até porque a procura final do produto da companhia parecia crescente e com algum espaço para crescer mais ainda.

Resultado, a SAFY era uma compra óbvia (o trade foi entretanto fechado com um ganho de 16%).


Conclusão

Todos estes passos acabam por ser trabalhosos, mas a verdade é que os preços e os fundamentais não se alteram assim tão rapidamente que os tenhamos que percorrer muitas vezes. Aliás, o­nde se dão maiores alterações, é na lista de empresas produzidas nas filtragens, pois existem muitos critérios diferentes para se utilizarem, sendo que o que aqui foi apresentado neste caso foi apenas um de muitos dos que utilizo. Por exemplo, por vezes procuro empresas com margens brutas muito elevadas a transaccionar a Price/Sales muito baixos. Qual a lógica? Bem, se alguma dessas empresas conseguir melhorar as vendas (se existirem pistas para tal), rapidamente passa de uma situação de má rendibilidade para uma situação bastante lucrativa, e o mercado ao reconhece-lo resulta numa subida brutal da acção (já que parte de múltiplos muito comprimidos).

Obviamente, após grandes quedas dos mercados acha-se muito maior quantidade de empresas de muito melhor qualidade segundo este método. Presentemente, quase tudo o que está barato tem uma óptima razão para o estar, pelo que é até algo perigoso procurar-se valor sem muito cuidado.

Mas, o que isto serve para sublinhar, é que no mercado o trabalho PRODUZ resultados. E que perseguir a última moda (que raramente aparece nestas filtragens) não é a única forma(nem a mais segura) de se ganhar dinheiro no mercado.

Mas claro, procurar valor também não é a única solução, pelo que em breve abordaremos a temática do investir/especular com base no momentum.

Autor

Incognitus, em 14/1/2005

Comentários

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Disclaimer

Este comentário é um artigo de opinião e nunca uma recomendação de compra ou venda. Alerta-se ainda que a compra ou venda é da responsabilidade do investidor bem como o lucro ou perda daí existente. O Autor pode ter, e provavelmente tem, posições nos títulos referidos neste artigo. Em caso de dúvidas, deverá o investidor procurar um intermediário financeiro, a Euronext, ou a CMVM.